Após ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela de urgência, ajuizada conjuntamente pela Defensoria Pública da União e pelas Defensorias Públicas de Mato Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, em face da União, a Justiça determinou a suspensão de todos os financiamentos federais destinados ao atendimento de adolescentes em comunidades terapêuticas e o desligamento de todos os acolhidos no prazo de 90 dias.
De acordo com a decisão liminar, o Ministério da Saúde deverá assegurar o regular atendimento dos jovens, conforme a portaria que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), voltada ao atendimento de pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.
Na ação, as Defensorias Públicas Estaduais e da União requisitaram a declaração da ilegalidade da Resolução n.o 3, de 24 de julho de 2020, do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), assim como de todos os contratos, convênios e termos de parcerias realizados para o custeio de vagas para adolescentes em comunidades terapêuticas.
“Essa decisão representa uma grande vitória para a Defensoria Pública, mas principalmente para os adolescentes em situação de rua. Essa resolução apontada por nós como sendo ilegal, visivelmente tem vícios formais e no seu conteúdo. Foi bom que o Poder Judiciário acolheu nossos argumentos para suspender os efeitos desta resolução até o julgamento final da ação”, afirmou o defensor público Luiz Brandão, atual coordenador do Grupo de Atuação Estratégica em Direitos Coletivos – População em Situação de Rua (Gaedic Pop Rua).
Segundo a União, são aproximadamente 500 adolescentes já acolhidos em comunidades terapêuticas, e a norma regulamentar do Conad “apenas veio a normatizar uma situação que já se materializava antes de sua edição”. Para o coordenador do Gaedic Pop Rua, as comunidades terapêuticas não são a solução para o tratamento de pessoas com problemas de vício em drogas, sejam adultos ou adolescentes.
“Também não é de hoje que nessas comunidades é comum se verificar a violação de direitos humanos. Essa política de internação em comunidades terapêuticas representa uma infringência frontal à reforma psiquiátrica, encabeçada pela Lei 10.216/2001. E, pior, representa o enfraquecimento do SUS, pois o dinheiro que poderia ser usado para o fortalecimento da Rede de Atendimento Psicossocial (Raps) termina por ser usado para financiar essas comunidades terapêuticas que defendem um modelo que sabemos que não dá certo”, sustentou Brandão.
Na decisão, a juíza federal Joana Carolina Lins Pereira, da 12ª Vara de Recife (PE), destacou que “além de haver atribuído a si próprio competência para disciplina de tema que deveria ser construída por outro órgão (ou, ao menos, em conjunto com este), verifica-se que o CONAD infringiu sua própria Resolução (a de nº 1/2015), haja vista que o artigo 29, § 1º, desta última determinara, como visto, que a ‘edição de normas próprias sobre a matéria’ (sobre o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas) deveria se realizar de forma articulada ‘com as instâncias competentes das políticas públicas para adolescentes’, o que não ocorreu”.
Além disso, a Justiça determinou que o Ministério Público Federal (MPF) seja incluído no cadastramento do processo na condição de fiscal da lei. Conforme apontaram as Defensorias Públicas da União e dos Estados, a decisão do Conad não contou com a participação do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), responsáveis pelas políticas de atendimento à criança e adolescente e de serviços socioassistenciais, respectivamente.
“Em 2015, o Conanda já tinha o posicionamento contrário a esse tipo de acolhimento, justamente por entender que não se respeitavam os direitos dos adolescentes”, explicou o defensor público Fábio Barbosa, coordenador do Grupo de Atuação Estratégica em Defesa da Saúde Pública (Gaedic Saúde).
No início deste ano, a Defensoria Pública de Mato Grosso criou um grupo de saúde mental para tratar de alguns aspectos relevantes ao atendimento das pessoas em situação de rua acolhidas, muitas com problemas de vícios em álcool, drogas etc. Barbosa afirma que o acolhimento das comunidades terapêuticas é questionado até mesmo no atendimento aos adultos. “É algo que foi um pouco deturpado e hoje, como se encontra, somos contrários. Se já somos contrários para adultos, ainda mais para adolescentes”, destacou.
Segundo os defensores públicos, o interesse das comunidades terapêuticas acaba sendo muito mais mercadológico do que focado no atendimento psicossocial dos acolhidos, o que vai contra os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ademais, essas entidades também não têm a documentação necessária para acolher adolescentes.
“Ainda não é uma vitória definitiva porque é uma decisão liminar, mas é uma grande vitória para a Defensoria Pública, Gaedic Saúde e Pop Rua, e esperamos ao final do processo que seja esse o entendimento do Judiciário”, arrematou Brandão.