PUBLICIDADE

Soberania dos Assassinos

César Danilo Ribeiro de Novais é Promotor de Justiça do Tribunal do Juri no Estado de Mato Grosso e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Antes do julgamento do mafioso Rusty Pirone, a principal testemunha é assassinada. Além disso, o ex-policial Tommy Vesey, que trabalha para o acusado, é encarregado de intimidar a jurada Valerie Alston, ameaçando a vida de seu filho. Atemorizada, ela concorda em decidir por sua absolvição e, durante a discussão e decisão da causa, tentar criar dúvidas acerca da culpa do acusado nos demais integrantes do Corpo de Jurados. A missão restou exitosa. Logo depois, o zeloso promotor Daniel Graham descobre a influência exercida por Valerie no veredicto absolutório…

Essa é a sinopse do drama judicial “Trial by Jury” (“Tribunal sob suspeita”, no Brasil), dirigido por Heywood Gould e lançado mundialmente em 09 de setembro de 1994, que está na iminência de se tornar realidade em terras brasileiras.

A Constituição Federal estabelece que a soberania dos veredictos é um dos princípios informativos do Tribunal do Júri. A última e definitiva palavra nos crimes de sangue pertence ao povo. Para que possa julgar com soberania é imprescindível que os juízes populares tenham acesso a todas as informações inerentes à apuração do fato criminoso, realizada em todas as fases (policial e judicial) da persecução penal do Estado. A sonegação de dados, informações ou provas ao Conselho de Sentença fere de morte a soberania dos jurados.

Entretanto, o Novo Código de Processo Penal (PL 8045/2010), em trâmite no Congresso Nacional, prevê como única prova testemunhal válida aquela colhida diante dos jurados, durante o julgamento pelo Tribunal do Júri. Prevê também a violação ao princípio do sigilo das votações ao estabelecer o debate da causa entre os jurados como fase anterior à decisão do caso.

Será que tais mudanças contribuirão para o combate ao crime e à impunidade no Brasil, que é campeão de assassinatos?

A resposta é um sonoro não. A razão é muito simples: atualmente, muitos dos acusados levados a julgamento pelo Tribunal do Júri integram organizações e facções criminosas, grupos de extermínios etc.

Caso esse projeto se torne lei, nenhum esforço será preciso para verificar que no fim do túnel haverá escuridão total e sem estrelas.

Como a vida imita a arte e a arte imita a vida, o filme citado figurará como verdadeira profecia sobre o destino do Tribunal do Júri no país, qual seja, o princípio da soberania dos veredictos se converterá no princípio da soberania dos assassinos.

Ora, só um insano, um irresponsável, um louco, um inconsequente, ou algo parecido, comparecerá no Tribunal do Júri e, na presença de todos, em alto e bom som, afirmará que o acusado é assassino. Se o fizer, a partir de então, sua vida e de seus familiares estarão em risco iminente. A tendência, portanto, é que pessoas normais, escaladas como testemunhas, em autodefesa e defesa de seus familiares, faltarão com a verdade. Optarão pelo silêncio probatório para não serem vítimas do silêncio tumular. Isso é óbvio!

No mais, organizações criminosas e grupos de extermínios, que não respeitam as regras elementares do Estado Democrático de Direito, tampouco a vida humana, farão de tudo para inviabilizar qualquer depoimento contra um de seus membros. Assim, não medirão esforços para neutralizar testemunhas, inclusive por meio de queima de arquivo.

Não bastasse isso, o assédio ao jurado tem forte potencial de se tornar regra, através da intimidação para decidir pela impunidade e influenciar seus pares para o alcance de veredicto absolutório.

Subtraída a prova testemunhal colhida na fase policial ou judicial e vulneradas a segurança e a independência do jurado em razão da quebra do sigilo das votações, os assassinos reunirão grandes chances de obter o que sempre tiveram em mente ao atacar a vida alheia, a impunidade.

Como dito, a soberania dos veredictos se converterá em soberania dos assassinos. Foram soberanos na eliminação de uma vida e serão soberanos para a obtenção da impunidade. A arte se converterá em vida real, a razão se transformará em terror e a justiça se transmudará em injustiça. Ninguém imaginaria que um filme estadunidense exibido em 1994 teria probabilidade de se tornar realidade no Brasil dos dias que correm.

Por isso, é preciso que a vida seja alertada pela arte, sendo imprescindível que essas modificações deletérias ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida sejam descartadas e alijadas do PL 8045/2010. Trata-se de medida necessária para evitar maior regresso no pacto civilizatório.

Portanto, na forma em que se encontra, o Novo Código de Processo Penal está pronto para sacrificar a verdade nos altares dos interesses dos assassinos e afundar a justiça nas areias movediças da impunidade. Os assassinos ganharão a onipotência, tornando-se absolutamente soberanos, diante de um Tribunal do Júri fraco e impotente para a produção da justiça.

COMPARTILHAR

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Mais notícias

Conviver com a violência

Todo dia recebemos notícias de um conhecido ou amigo...

A sustentabilidade registrada

Em ano de COP29, em Baku e G20, no...

O caso de um pescador…

Atuando em processos em segunda instância no Tribunal de...

Cada um ao seu tempo

O tempo é apenas um meio de nos prepararmos,...