O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nesta segunda-feira uma nova nota técnica reafirmando o direito à “consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais” atingidos pelo projeto da Ferrogrão. A ferrovia faz parte do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal e pretende ligar o município de Sinop ao porto de Miritituba, no sudoeste do Pará, a fim de facilitar o escoamento da produção agrícola nacional.
A nota técnica foi expedida pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), órgão superior do MPF vinculado à Procuradoria-Geral da República. Segundo o colegiado, apesar da grandiosidade do empreendimento, que terá 933 km de extensão, e dos impactos socioambientais decorrentes da sua implementação, ainda não se realizou a oitiva das comunidades atingidas, na forma prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em diversos outros tratados internacionais de direitos humanos.
O MPF lembra que relatórios publicados pela própria Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em 2020, apontam que a Ferrogrão, se implementada, atingirá 48 terras indígenas e Áreas de Especial Proteção Ambiental, gerando uma série de impactos sinérgicos e cumulativos sobre a biodiversidade e as populações locais.
“A área no entorno da Ferrogrão é historicamente caracterizada por conflitos ambientais e fundiários e já afetada por outros empreendimentos, como a BR-163. A EF-170 ocasionará o aumento da pressão sobre os recursos naturais em razão do incremento do garimpo ilegal, da grilagem de terras e do desmatamento”, alerta a nota técnica.
O MPF destaca que o direito à consulta prévia, livre e informada é um mecanismo que assegura aos povos indígenas e tribais serem consultados quando forem previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los. A medida está assegurada também nas Declarações Americana e das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Segundo o MPF, além de estabelecer o direito à consulta, as normas internacionais definem parâmetros para a sua implementação. Entre eles está o dever do Estado de consultar os povos indígenas antes de qualquer autorização, atividade administrativa ou legislativa que os atinjam. Isto é, antes de qualquer tomada de decisão, o que não tem sido respeitado no caso da Ferrogrão, denuncia o MPF.
A nota técnica aponta que, “não obstante as mobilizações dos povos indígenas afetados e as recomendações expedidas pelo Ministério Público, o processo da ferrovia foi enviado pela ANTT e pelo Ministério da Infraestrutura ao Tribunal de Contas da União (TCU) para emissão de parecer para apreciar a concessão sem implementar o direito à consulta”.
Questionada, a ANTT esclareceu que a consulta aos povos indígenas seria uma das fases do licenciamento ambiental da Ferrogrão. Para o MPF, no entanto, os institutos não se confundem. “A audiência pública ambiental não possui caráter deliberativo, isto é, nesse evento, a manifestação dos povos indígenas em favor ou contra a atividade não é dotada de repercussões jurídicas na deliberação do órgão ambiental, o que a distingue profundamente da oitiva constitucional e da consulta prévia”, esclarece a nota técnica. O documento cita ainda que, ao analisar outros empreendimentos cujos impactos atingem terras indígenas, o Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1) fixou entendimento pela imprescindibilidade da realização da consulta prévia em procedimento separado do licenciamento ambiental.
“A Consulta prévia, que não se confunde com a audiência pública – etapa do processo de licenciamento ambiental – e tampouco com a oitiva constitucional prevista no art. 231, § 3o, da Constituição Federal, é fase essencial de todo empreendimento que venha a causar impacto a comunidades indígenas, sendo o instrumento hábil a garantir o diálogo e participação dos povos indígenas, devendo ocorrer nas primeiras fases do planejamento”, conclui a Câmara do MPF.
Desde março, as etapas para implantação da ferrovia estão paralisadas por determinação liminar do ministro Alexandre de Moraes. Além de suspender a lei resultante da MP, que alterou a Floresta do Jamanxim para passagem da ferrovia, o ministro determinou a paralisação dos processos relacionados à Ferrogrão, em especial os em trâmite na Agência Nacional dos Transporte Terrestres, no Ministério da Infraestrutura e no Tribunal de Contas da União (TCU). A liminar ainda será analisada pelo plenário do STF.