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Narciso no espelho

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No interior de São Paulo, Fábio de Moraes, 36 anos, morreu num bungee-jumping diante da mulher e do filho de seis anos. Foi direto de cabeça no chão.Tirou fotos antes e esperava imagens durante,  e o objetivo era mostrar a proeza. Há pouco nas minhas férias na África do Sul, acompanhei saltos assim e percebi que a essência, o objetivo, era ser filmado por potente câmera para mostrar aos outros. Faz parte de uma imensa e universal onda de exibicionismo, que veio com a popularização da câmera através dos celulares. Todos querem fazer selfies para mostrar aos outros onde estão. Vejo aqui no hotel, no Rio, no restaurante do 30º andar, que mais importante de tudo não é a comida, mas a foto de si próprios com o mar de Copacabana ao fundo. 

Em fala de fim de ano para a Cúria – a alta hierarquia do Vaticano – o Papa critica o narcisismo na própria Igreja. Depois de apontar os vícios de cardeais e bispos, disse que isso vem da doença do narcisismo. O pensador Luiz Felipe Pondé acabou de postar: “Uma das coisas que o narcisismo(grande epidemia contemporânea) destrói é a capacidade de termos afetos verdadeiros com o mundo.” De cardeais a adolescentes, o Narciso está sendo o deus. Na lenda grega, Narciso apaixonou-se por si mesmo, ao ver a sua imagem na água calma de um lago. Quis tanto entrar em si mesmo que morreu afogado. Isso em tempos em que não havia espelho, é claro. E muito menos celulares com câmeras para selfies.

A colunista Martha Medeiros, em O Globo do último domingo, vai além. Ela critica a nova mania de tirar foto de tudo. Ela ficou três dias sem celular e sentiu que estava vendo mais. Não fotografou o palestrante, nem o bairro desconhecido, nem fez selfie do almoço com amigas. E percebeu que guardou melhor as lembranças de tudo que viu e ouviu naqueles dias. Eu já havia constatado o contrário: quando me empolgo com o que estou vendo e vivendo, esqueço da câmera, tão concentrado estou no que meus olhos e ouvidos estão a transmitir para o cérebro. As lembranças, assim, ficam mais bem guardadas. Quando as registramos na câmera, parece que pouco sobra para o arquivo cerebral e fica na superfície. Descarregamos nossa memória no chip.

Pesquisa da Fstoppers, citada pelo pós-doutor em Psiquiatria, prof.Cristiano Nabuco de Abreu, calcula que são clicados 1 bilhão de autorretratos digitais por dia, os selfies. A Samsung afirma que 36% deles são retocados antes de postados. A revista Psycology Today afirma que isso é indício de baixa autoestima e narcisismo. Experiência no Reino Unido com jovens entre 18 e 30 anos a quem pediram para tirar fotos, concluiu que 39% usaram como objeto a si próprios, em vez da família, animal de estimação, amigos ou paisagens. Desse narcisismo resultou obsessão pela aparência e revelação da intimidade – paradoxalmente diminuindo a intimidade com amigos e família. O prof.Cristiano demonstra que ao escolher que imagem nossa vamos mostrar, acabamos perdendo nossa imagem real; ficamos conectados com imagens mas desconectados de nós mesmos e nosso mundo real: como quero que prestem atenção em mim se eu mesmo não sei quem sou, “escondido” atrás da câmera e da foto? Não quero jamais permitir que uma câmera me separe dos outros e do mundo. Ou de mim mesmo.  

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