Estou no café-da-manhã ao lado da janela do hotel em frente a Ponte Vecchio, em Florença. A ponte é do ano de 1345 – 155 anos antes de Cabral chegar ao Brasil. Já tem 668 anos e resistiu a enchentes do Arno e às guerras, inclusive aos bombardeios americanos em 1944. Não tenho como não pensar no Engenhão, de 2007, incapaz de resistir a ventos acima de 63 km/h. Estou terminando um giro de 20 dias pelas terras da Úmbria e da Toscana e já preparando a cabeça para a reentrada na atmosfera brasileira.
No caminho, fui retirando euros em caixas eletrônicos, que funcionam dia e noite, inclusive em becos escuros, e ninguém os explode… Num desses becos escuros e desertos, depois do jantar em San Gimignano, retirei 250 euros e os agitei na noite, braço esticado para cima, num gesto e num saque que não poderei fazer jamais no meu país. Em Siena, a terra de Santa Catarina e do Pálio, deixei o carro estacionado na rua e com toda a bagagem e na volta não havia guardador algum a me exigir dinheiro. Aliás, nesse tempo todo rodando, só paguei pedágio uma única vez. Os italianos devem ter decidido que não devem pagar impostos duas vezes.
Só encontrei caminhões na autoestrada. Em todas as rodovias da Toscana, só carros, traillers e ônibus de turismo. Aliás em que pese o frio neste primeiro mês de primavera, por toda a parte os turistas lotam tudo e enchem a Itália de divisas. Os italianos sabem que com tudo arrumadinho, seguro, funcionando, bem orientado, os turistas vêm com fome de cultura, de História, de beleza, de gastronomia. Não basta ter uma natureza bela, verde e ensolarada; é preciso receber bem. Os banheiros públicos, por exemplo, estão sempre impecavelmente limpos e cheirosos, aqui na Toscana. Ah, e tem o maravilhoso silêncio das noites toscanas.
No interior do Rio Grande do Sul, minha mãe, todas as noites, precisa passar a corrente com cadeado nas cadeiras da varanda. Aqui na Toscana, as cadeiras ficam nas ruas, soltas, inclusive as dos bares e restaurantes com as mesas e os vasos de flores. Nas cidades toscanas, as lojas não têm cortinas metálicas nem grades. Entre a rua e as mercadorias expostas, apenas vidro. Não há como não comparar: nas cidades toscanas, a muralha protegia de invasores na idade média; hoje faz parte da beleza que atrai turistas. No meu país, cada um de nós tem alguma forma de muralha em torno da casa, como proteção contra os invasores contemporâneos. Com tudo isso, volta-e-meia sou obrigado a ouvir algum cretino mentiroso a tentar me enganar dizendo que insegurança do Brasil é igual à do mundo inteiro.