Na mesa ao lado, enquanto desfrutávamos um excelente chileno, o casal não troca palavra. Ele emusculado(perdoem o trocadilho) por bomba e academia; ela, de olhos brasileiros e cabelos pintados de sueca. Sequer se olhavam. Não deveriam estar brigados ou não estariam ali naquele romântico restaurante da Barra da Tijuca, numa sexta-feira à noite. Olhavam fixamente para o aparelhinho que cada um tinha nas mãos, dedilhando com sofreguidão. Mal tinham tempo de levar à boca o polvo que haviam pedido. E assim foi, desde que chegaram ao momento em que pediram a conta. Danusa Leão conta que fora com três amigas jantar em Nova Iorque, e as três ficaram ao celular conversando com outras pessoas que não estavam ali. Em torno daquela mesa, ninguém trocou palavra, a não ser na hora de dividir a conta.
O que se fazia antes da chegada do celular? Conversava-se. Afinal, o celular está aproximando as pessoas ou as afastando, impessoalizando-as? Fico a pensar nisso, no momento em que o número de celulares ultrapassa o número de habitantes do Brasil. Literalmente, os celulares já são mais que a pessoas. Teria a comunicação eletrônica superado o olho-no-olho, o aperto de mão, o calor da voz sem codificação e decodificação? Estaríamos entrando no tempo em que as pessoas são “meu caro”, “meu amigo”, “minha querida”, “meu amor”, sem se conhecerem? Nada aprofundado, tudo superficial?
A popularização do celular esqueceu de se fazer acompanhada por breves instruções sobre seu uso. Afinal, o telefone tem mais de 100 anos e os fabricantes supõem que as pessoas já conheçam as regras. Mas a maioria não conhece. Dicas básicas como: quem liga identifica-se primeiro, antes de perguntar quem fala; só íntimo liga antes de 9 da manhã ou depois de 10 da noite; a primeira pergunta é: você pode falar?; e, como em tudo, também ao telefone usa-se por favor, obrigado, desculpe – três palavrinhas básicas de cortesia e respeito. No entanto, há secretária que atende chamando o desconhecido de meu amor; que não se identifica e pede para esperar até que ela encontre o mal-educado interlocutor; até um operador da TIM me ligou e primeiro perguntou quem estava falando, para depois se identificar, e desandou o palavrório, sem perguntar se eu estava tomando café da manhã . Claro que desliguei.
Deve-se informar aos ilustres locutores de celular, que é constrangedor fazer os circunstantes ouvirem sua conversa ao telefone. Que ninguém quer saber de seus negócios ou de sua intimidade. E que ninguém é idiota para não perceber quando o que ele diz é só para mostrar o quanto é importante. Quem ninguém desconhece a alma humana a ponto de não saber que uma pessoa assim, no fundo, sente-se inferior. A propósito, o cúmulo da solidão, é quando a pessoa saca do celular e finge estar conversando com alguém, para não parecer só. Fica mais tempo com o celular no ouvido que o tempo de uso da bateria.
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