“Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a tua vã filosofia” – teria escrito William Shakespeare. Fico tentando entender coisas deste Brasil, que ficam entre o céu e a terra. Por exemplo, agora está sendo julgado o casal Nardoni, pela morte da menina Isabella, em 29 de março de 2008. Ainda não se passaram dois anos que o crime aconteceu. Num outro caso, na semana passada, o Supremo concedeu habeas corpus para três acusados da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, do PT, ocorrida em 18 de janeiro de 2002. O Ministro relator, Marco Aurélio, lembrou que eles já estavam em prisão provisória há oito anos, sem julgamento, e que “nada justifica tamanha demora”.
Basta compararmos dois anos com oito, para saltar aos olhos que, em relação ao prefeito de Santo André, há mais coisas do que sonha a nossa vã filosofia. Por que não há o julgamento? Medo de que muita coisa venha à tona? Por que o irmão dele precisou ir embora? O corpo estava crivado de balas. O Ministério Público sustenta que foi crime político, porque o prefeito desejava por fim a um esquema de corrupção. Depois do seqüestro e assassinato, sete pessoas citadas no inquérito foram mortas: o seqüestrador de Celso Daniel, o que deu abrigo ao seqüestrador, o garçom que foi o último a servi-lo na churrascaria de onde o prefeito saiu; a testemunha da morte do garçom; o legista que atestou tortura em Celso Daniel e até o agente funerário que reconheceu o corpo. Ah, como há coisas entre o céu e a terra…
No Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral chorou e pôs o Estado em pé de guerra, na defesa dos royalties do petróleo do mar territorial. Alega que o Rio, sem esse maná, vai acabar; que não vai fazer Olimpíada nem Copa do Mundo. O artigo 20 da Constituição diz que o mar territorial é um bem da União – isto é, de todos – e que os estados e municípios receberão compensações pela exploração de petróleo ou gás no mar territorial. Interpretações à parte, o presidente Lula foi apontado pelo seu amigo Sérgio Cabral como o salvador do Rio, que vetaria a lei. “Ano eleitoral é ano de fazer gracinhas” – respondeu o presidente Lula, explicando e criticando a emenda Ibsen. E aí, ele próprio fez mais uma gracinha, para não ficar mal com a maioria dos estados. Decretou que a bola está com o Congresso. Ou seja, em outras palavras, recomendou ao Governador do Rio que se agarre no pincel, que ele iria retirar a escada. Ah, como a nossa vã filosofia gostaria de compreender…
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, acaba de fazer coro ao presidente Lula, afirmando que prefere o Rafale, avião francês de combate. O governo pediu um relatório da Força Aérea sobre a conveniência de comprar ou o Rafale, ou o F-18 Super Hornet americano, ou o sueco Gripen. A FAB optou pelo sueco. Afinal, são os pilotos da FAB que vão sentar dentro do avião para treinar, para dissuadir possíveis inimigos ou para combater. E a FAB tem o maior interesse na transferência de tecnologia, para que a Embraer continue a ampliar sua produção, que nos orgulha. Mas Lula quer o Rafale. Pelo jeito, não é o Brasil que vai comprar. O Brasil vai apenas pagar. Quem vai comprar é o presidente Lula. Já havia garantido há muito sua palavra ao colega Sarkozy. O Brasil vai ficar dependendo de um único fornecedor de seus submarinos, helicópteros e aviões. E, pela diferença de preço, com os bilhões de dólares de 36 Rafale, poderia comprar 108 Gripen. A nossa vão filosofia não consegue saber o que há entre o céu e a terra além de esquadrilhas de Rafale.