A segunda câmara criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve sentença de primeiro grau que condenou a dois anos e quatro meses de reclusão, um morador de Chapada dos Guimarães, por falso testemunho prestado durante julgamento de um homicídio. A turma julgadora, formada pelos desembargadores Pedro Sakamoto (relator), Rui Ramos e juíza convocada Glenda Moreira Borges, por unanimidade desproveu o Recurso de Apelação interposto pelo homem condenado pela prática do crime previsto no previsto no artigo 342, § 1º, do Código Penal e manteve a condenação.
Consta dos autos de uma ação penal que tramitou no juízo da 1ª Vara da Comarca de Chapada dos Guimarães, que em outubro de 2013, durante sessão de julgamento pelo tribunal do júri, realizada no Fórum da Comarca, a testemunha de defesa, mesmo estando devidamente advertido e compromissado a dizer a verdade, mentiu.
Na ocasião, enquanto todos os demais ouvidos declararam que a vítima foi atingida pelas costas quando estava indo em direção ao carro para ir embora da festa, o acusado declarou que a vítima estava encostada em uma parede quando outro homem se aproximou e foi ameaçada pela vítima. O rapaz então sacou um revólver e fez um disparo, acertando a vítima.
“Da falta de correspondência entre a realidade e sua expressão surge o erro (engano inconsciente) ou a mentira (afirmação contrária à verdade a fim de induzir a erro). Nesse diapasão, a falta com a verdade pode decorrer, de um lado, de um defeito de percepção; de outro, da própria intenção de enganar. No caso em comento, o acusado se encaixa na segunda hipótese, e aqui se passa ao exame psíquico, pois evidenciado durante a fase instrutória que o acusado era conhecedor da existência do fato, mas mesmo assim deturpou e forjou a realidade fática, configurando-se, portanto, o dolo”, considerou o magistrado.
O juiz ainda ponderou que caso fosse reconhecida a tese apontada pela testemunha, poderia ter havido o reconhecimento de uma possível excludente de ilicitude (legítima defesa putativa) ou retirar umas das qualificadoras imputadas ao réu daquele processo (impossibilidade/ dificuldade de defesa da vítima). “Dessa forma, entendo que o acusado mentiu em juízo e deve por isso ser condenado”.
O magistrado de piso contextualiza na sentença que o “Código Penal Brasileiro traz em seu artigo 342 o crime de falso testemunho ou falsa perícia. Trata-se de condutas contra a administração da justiça e somente pode ser cometido por testemunha, perito, tradutor, contador ou intérprete (pessoas essenciais para a atividade judiciária). Pois essas pessoas prestam informações que podem servir de fundamento para decisões em processos judiciais ou administrativos”.
Para que o crime seja considerado como consumado, basta a realização de qualquer das atividades referidas no artigo e não há necessidade de o ato ter produzido consequências. Se o acusado de falso testemunho desistir da mentira e contar a verdade, no processo que ele mentiu e/ou omitiu, o crime deixa de existir. Mas a retratação deve ocorrer antes da sentença.
Inconformado, o homem recorreu ao tribunal, almejando que seja declarada sua absolvição, pela atipicidade da conduta, ante a ausência de dolo, bem como porque não ficou demonstrada a capacidade lesiva da conduta ou, ainda, que seja dada primazia ao princípio do in dubio pro reo, uma vez que não ficou demonstrado que teve a intenção de fazer afirmação falsa sobre os fatos em que fora testemunha, pois suas declarações são coerentes, baseadas no que presenciou.
Nas contrarrazões recursais, o Ministério Público rebate os argumentos e pugna pelo desprovimento do apelo interposto.
“Estando devidamente demonstrados a materialidade e a autoria do delito, não há falar em aplicação do princípio do in dubio pro reo, e tão pouco tem cabimento a alegada atipicidade da conduta, sob a perspectiva de que o apelante não agiu com dolo, porquanto comprovou-se que ele intencionalmente alterou a verdade dos fatos, e, apesar de as declarações não terem sido suficientes para a absolvição do autor do crime de homicídio, é cediço que o delito de falso testemunho é ilícito formal e se consuma no momento em que a testemunha faz a afirmação falsa quanto a fato juridicamente relevante, pouco importando o resultado”, considerou o relator em seu voto. O entendimento foi acompanhado pelos demais integrantes da turma.
A informação é da assessoria.