O mal vem por todos os lados… inclusive de nós mesmos.
“De que todo pensamento seja, ao nomear, equívoco, não quer dizer que não se tenha que pensar; de que todo nome seja multiplamente ambíguo, não quer dizer que não se deve nomear; de que a univocidade seja impossível, não quer dizer que não se deva ordenar um desejo.” (MILNER)
Já ouvi que eu sou um entre 7,6 bilhões de indivíduos, pertencente a uma única espécie, entre outras três milhões de espécies classificadas, que vive num planeta, que gira em torno de uma estrela, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, esta é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer.
Dizem também que a maior parte dos meus genes pertence a micróbios, que a maioria de nossas funções do corpo são realizadas por micróbios; a ciência diz que a proporção é de 1,3 células microbianas para cada célula humana. Estamos colonizados por tudo aquilo que nos ensinaram a ter medo: bactérias, vírus, fungos, protozoários etc.
Os estudiosos da pessoa, Freud e depois Jung, entre outros, já nos avisaram do “lado sombrio” da nossa personalidade, o submundo conturbado da nossa psique.
Os grandes mestres apontaram uma direção; por todos, Guimarães: “que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados… Como é que posso com este mundo? Este mundo é muito misturado.”
Não há conceito algum a respeito do homem em que eu próprio não esteja incluído. Estamos “colonizados pelo estrangeiro”, por aquilo que não queremos e apontamos nos outros. Ah! O inferno não está só no outro, por mais que desejemos e ajamos desse modo. O alheio, o semelhante, o outro… são nós mesmos. A simbiose é um fenômeno comum e bem conhecido. Nos saímos de nós, somos nós mesmos.
Alguns acreditam que a corrupção está a cargo de um partido, é exclusividade dos prefeitos, vereadores, deputados, presidentes – culto da corrupção isolada. Que o autoritarismo do presidente é porque ele é de outro planeta. Que os vazios do discurso que ameaçam tornar nossas vidas vazias de sentido só se vê no Brasil. Que o pacto cínico: o ser humano é assim, não há o que se possa fazer, só os desesperançosos que fazem. Que a autonomia individual e a valorização narcísica, o pai de si mesmo, sem passado, incapaz de reconhecer a força do laço com os seus semelhantes é restrito a algumas autoridades. Que só o capitalista entende que nenhum deus fala mais alto do que o deus do dinheiro. Que é privilegio de um senador da república pensar que: “acho que essa vai ser uma decisão das mais importantes que o presidente vai tomar porque o Ministério Público, como fiscal da lei, pode interferir em diversas áreas que, para nós, são importantes que não sejam dominadas por pessoas que ideologicamente são contra o que a gente pensa.”
O que eles são? Nós!! Essas estranhas semelhanças são nossas. Ah! Se narciso se vira, veria a margem, o céu, a flor, o correr das águas … e, quem sabe, o outro.
Levinas escreveu que na morte do outro, nós experimentamos um pouco de nossa morte também. Carl Jung ensinou mais uma coisa:“Ninguém se ilumina imaginando figuras de luz, mas se conscientizando da escuridão”.
É com emoção – o movimento do todo que sou – que quero tentar abalar a prepotência e vaidade do “homem de bem”. Se queremos melhorar nossa sociedade, precisamos de pessoas mais “completas”. Um ser que se pergunta sobre si e cujas respostas nunca cessam de inovar, porque nunca respondem perfeitamente.
A vida não começa conosco, nem termina conosco. Na verdade somos uma janelinha, uma vozinha… um pouco de água numa onda muito maior. “Não se muda uma sociedade com um só indivíduo, é preciso muita gente”.