Lembrei! Sonhava! Sonho, esse amigo distante que ia me fazendo boa companhia. Lugar que todos nós vamos algumas vezes na vida, quando nos cansa o chão firme e duro e queremos às nuvens. Se as pessoas formalizassem as queixas que me trazem no dia a dia, nas filas, nas calçadas, nas praças, na rua, nos encontros cotidianos, meu primeiro ato seria este:
Aos que Vereiam
Excelentíssimos Senhores,
Ao tempo em que expresso meus cordiais cumprimentos, sirvo-me do presentepara informar que aportou em alguma Promotoria de Justiça reclamos de cidadãos relatando sobre a falta de participação efetiva dos vereadores na comunidade.
Eis o resumo dos fatos:
Recebemos nesta Promotoria de Justiça cidadãos dando falta da participação dos vereadores na comunidade, já que não é perceptível a fiscalização das ações da Administração Pública, como destinação dos recursos públicos, nem se tem notícias de projetos e leis votados para melhoria da Comunidade. Pedem providências para que os vereadores sejam proativos, comprometidos e olhem para as necessidades do povo.
Burdeau disse que a mola de toda sociedade política é um sonho: um sonho feliz ou um pesadelo, mas sempre “sonho de um porvir comum”. E historicamente o bem comum é a tentativa de realização desse sonho, desse pensamento. O mesmo autor tem frase célebre: “Não há poder legítimo que não seja instituído pela coletividade”.
O regime politico é dito representativo porque quer/deve ser representativo. É representativo haja vista que deputados, senadores, vereadores se comportam – ou devem se comportar – como se de fato fossem representantes da sociedade. Esta tem uma esperança, um anseio, um ideal de representação.
Goffredo Telles Junior com a acuidade aduz, em sua obra O Povo e o Poder, diz:“em nossos corações de inconformados, há uma incontida indignação, uma revolta incontrolável – uma onda decidida de oposição e de amor por nossa Terra. E há uma convicção: a de que é preciso mudar o Brasil. Mudar! Mudar a filosofia de governo. Mudar de foco, mudar a direção, mudar os alvos da Política. Construir uma Democracia verdadeira. Abandonar mitos e ficções. Fazer o Poder dimanar do Povo, mas não como ficção, não como idealização desligada da realidade. Dar vida ao princípio constitucional de que ‘Todo o Poder emana do povo e em seu nome é exercido”.
Acreditamos no comprometimento dos vereadores, entretanto vivemos em tempos em que é necessário dizer o óbvio. E talvez haja pelo menos um que não seja comprometido.
O vereador é o membro do Poder Legislativo do município. Nessa condição, ele desempenha, como funções típicas, as tarefas de legislar e de exercer o controle externo do Poder Executivo, isto é, da Prefeitura. A função legislativa consiste em elaborar, apreciar, alterar ou revogaras leis de interesse para a vida do município.
A função fiscalizadora, que é a reclamada pelos cidadãos que a este Órgão vieram, está relacionada com o controle parlamentar, isto é, a atividade que o Poder Legislativo exerce para fiscalizar o Executivo, a Administração Pública.
O papel do homem público é dar voz para quem não a tem, esperança para quem não acredita mais em um futuro melhor, oportunidades para aqueles que precisam de ajuda.
E é na gestão municipal que os homens públicos conseguem identificar essas demandas com mais competência. Prefeitos e vereadores vivem – devem viver – uma relação de proximidade com aqueles que os elegeram; nessa aproximação, nesse contato, precisam de sensibilidade para identificar os desejos da sua cidade e de coragem para concretizá-los.
É reconhecida a importância da presença dos vereadores nas sessões da Câmara,o que já é um dever, mas não é suficiente. Como disse a Sra. Maria que aqui esteve, “não constrói ponte, não ergue escola e creches, nem mesmo reconhece os verdadeiros problemas da cidade”.
As normas pertinentes dispõem que o vereador tem o dever de: ser assíduo, comparecer às sessões do plenário e das comissões; cortesia, tratar com urbanidade os colegas e os cidadãos; dedicação ao trabalho legislativo, dele participando no plenário e nas comissões; atenção aos eleitores, nos pleitos coletivos como individuais; probidade política e administrativa, imune dos desvios do mandato, ou seja, ter conduta retilínea, proba, entre outras.
Com efeito, é dever ainda do vereador lutar pela construção e funcionamento de escolas, construção e funcionamento de hospitais e postos de saúde, abertura de estradas, pavimentação de vias públicas urbanas, abastecimento de água, instalação de energia elétrica, funcionamento da farmácia básica, regulação para atendimento médico, transporte escolar etc.
Cabe ao vereador cobrar do prefeito a divulgação dos valores dos impostos, taxas e contribuição de melhoria recebidos, bem como todos os outros recursos passados ao município, ficar atento às contas públicas, orçamento público, serviços públicos, contratos, entre outros.
Posso me enganar, mas digo que a simples realidade política revela que apesar de se proclamarem “a voz do povo”, os partidos e políticos, em sua quase totalidade, jamais realizam ou tentaram realizar o bem comum. “Tentações eleitorais, alianças comprometedoras irresistíveis, fraquezas éticas, violações de programas registrados, desídias parlamentares, corrupção, tudo isso confere uma vida própria, movida por interesses corporativos ou egoísticos, muito separados da vida do povo.”
Originário do grego antigo, o vocábulo vereador vem da palavra “verea”, que significa vereda, caminho. O vereador, portanto, seria o que vereia, trilha, ou orienta os caminhos;aquele que encontra o caminho para o bem comum, aquele que encontra as vontades do povo.
O vereador é a ligação entre o governo e o povo. Ele tem o dever/poder de ouvir o que os eleitores querem, propor e aprovar esses pedidos na câmara municipal e fiscalizar se o prefeito e seus secretários estão colocando essas demandas em prática.
É no âmbito do município – e somente nele – que se desenrola a chamada vida real. É aqui que todos vivemos, que nascem as demandas e os conflitos políticos e se forjam as lideranças nacionais. Estado e União são abstrações jurídicas.
Por essa razão, a sustentação fundamental da atividade política começa na vereança. São eles os mais próximos das demandas dos eleitores, os que melhor lidam com as causas viscerais da cidadania.
Não é casual que os regimes tirânicos optem invariavelmente pela centralização, em oposição ao municipalismo.
Vereador é sinônimo de edil. Vereador é a “pessoa que verea”, ou seja, é o cidadão eleito para cuidar da liberdade, da segurança, da paz, do bem-estar dos munícipes.
É por isso que alguns cidadãos vieram nesta Promotoria de Justiça.
Assim, que essas palavras sejam encaminhadas às Câmaras de Vereadores dosmunicípios, dando ciência a todos os seus membros, a fim de que os Excelentíssimos Vereadores, querendo, comprovem, por documento ou por ação (agir diário), que os cidadãos que aqui vieram estão enganados e eu também.
Sem mais para o momento, renovo os protestos de …
Emanuel Filartiga Escalante Ribeiro – está Promotor de Justiça em Mato Grosso