O Ministério Público do Trabalho em Rondonópolis obteve a condenação de uma usina de açúcar, etanol de bioenergia localizada em Jaciara (200 km de Cuiabá), em cinco ações civis públicas. No total, a empresa, que conta atualmente com mais de 1,5 mil empregados pagará R$ 1,3 milhão de indenização por danos morais coletivos. Os valores deverão ser revertidos a projetos sociais ou entidades sem fins lucrativos apontados pelo MPT que atuem em benefício do município.
Nas decisões foram estabelecidas diversas obrigações a serem cumpridas pela empresa. Uma delas é de que a usina se abstenha de remunerar os empregados envolvidos no corte manual de cana-de-açúcar por unidade de produção. A empresa deverá garantir, nesses casos, que não haja redução salarial. Foi concedido prazo de 30 dias, a contar da publicação da sentença para adoção da medida, sob pena de multa de R$ 1 mil por trabalhador e por mês de infração.
Além da exposição excessiva ao calor, o MPT aponta que a atividade exige muita sobrecarga muscular, o que inviabiliza a remuneração do trabalhador com base apenas no seu desempenho individual. Os funcionários serão pagos com base na média da sua produção diária, sendo que os períodos de descanso serão contados como “tempo de serviço para todos os efeitos legais”.
A procuradora do MPT Vanessa Martini explicou que o sistema de pagamento por produção, associado à precarização dos alojamentos e das condições de trabalho, pode agravar os riscos de acidentes e o desgaste prematuro dos trabalhadores e até levá-los à morte por exaustão. Ela ressalta que a norma do Ministério do Trabalho não admite o pagamento por produção quando há riscos à saúde do trabalhador, uma vez que o induz a ultrapassar seus limites fisiológicos em busca de um rendimento financeiro maior.
Durante toda a jornada a empresa deverá monitorar a exposição ocupacional dos trabalhadores de corte manual de cana-de-açúcar ao calor e adotar obrigatoriamente períodos de descanso ou a suspensão do serviço sempre que ultrapassado o limite estabelecido nas normas. O prazo para cumprimento dessas obrigações é de 45 dias, a contar da publicação da sentença, e a multa estabelecida é de R$ 5 mil por cada item violado.
O MPT conseguiu que a usina seja obrigada, sob pena de multa, a pagar os salários dos funcionários até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido, e a quitar corretamente as verbas rescisórias e o 13º salário, além de conceder as férias no período correto. A empresa também não poderá ultrapassar o prazo legal para o recolhimento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço dos seus empregados.
A companhia está proibida de realizar o pagamento de salário por meio de terceiros, devendo repassar as quantias diretamente a cada empregado, por depósito em conta individualizada, e de realizar “pagamento por fora” e fornecer holerites que não correspondam à realidade dos valores efetivamente pagos.
A usina deverá cumprir as obrigações legais relativas à constituição e funcionamento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), não podendo criar empecilhos para a inscrição de candidatos e nem dispensar sem justa causa empregados eleitos para a comissão até um ano do final do mandato.
As comunicações de acidentes de trabalho deverão ser realizadas regularmente, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato. As medidas deverão ser adotadas a partir da publicação da sentença, com multa no importe de R$ 50 mil por cláusula descumprida e por ocorrência registrada.
As decisões são da juíza Gisleine Maria Pinto, que atua na Vara do Trabalho de Rondonópolis. A magistrada também determinou que a companhia realize as adequações disponibilizando instalações sanitárias nas frentes de trabalho, vestiários limpos com portas e chuveiros, material de limpeza, e alojamentos com armários individualizados. A multa é de R$ 5 mil por dia para cada item desrespeitado.
Em inspeção feita pelo MPT, em conjunto com os auditores fiscais do trabalho, foram comprovadas várias irregularidades envolvendo indisponibilidade de instalações sanitárias, falta de água para a higienização das mãos, e ausência de local adequado para as refeições.
Os trabalhadores informaram em depoimento que faziam refeições dentro do ônibus, mas que na maioria das vezes, a comida era consumida a céu aberto, sem nenhuma proteção e sem bancos, cadeiras ou mesas.
O MPT constatou ainda casos de trabalhadores sem equipamentos de proteção individual (EPIs) ou situações em que os materiais estavam em avançado processo de desgaste.
Em outra sentença, é determinado que a empresa se abstenha, imediatamente, sob pena de multa de R$ 10 mil por ocorrência, de recrutar e transportar trabalhadores em local diverso de sua origem sem a obtenção de Certidão Liberatória emitida pelo Ministério do Trabalho e utilizar “gatos” para o recrutamento de trabalhadores.
Nos casos em que houver a contratação de pessoas fora da região de Jaciara, deverá arcar com as despesas de deslocamento dos empregados no início da contratação e para retorno ao local de origem.
Em inspeção realizada em julho do ano passado, MPT e Ministério do Trabalho (MTb) verificaram que a maioria dos empregados da colheita manual de cana-de-açúcar era natural do Maranhão. Segundo a procuradora, para alcançarem melhores remunerações, esses trabalhadores acabam se sujeitando ao labor em condições precárias. “Assim, a empresa acaba optando por empregados de outras regiões para manter o ciclo de exploração. As medidas contra o aliciamento e os aliciadores visam evitar ocorrências de trabalho escravo, atividades criminosas ligadas ao tráfico de seres humanos, bem como propiciar acompanhamento da situação dos trabalhadores deslocados por parte dos sindicatos e órgãos públicos”, conclui a procuradora.
As informações são da assessoria do Ministério Público do Trabalho em Rondonópolis.