Nesta semana, fui surpreendido por uma resposta dada por um presidenciável durante a sabatina do programa Roda Viva, da TV Cultura. E a surpresa foi inesperadamente positiva – já que eu não sou um admirador da política e dos ideais do candidato em questão.
Após ser questionado sobre o contexto e as soluções para a mortalidade infantil no Brasil, o candidato a presidente do Brasil respondeu que, dentre outras ações, para reduzir os índices de mortalidade na infância, investiria no pré-natal odontológico e em políticas de saúde bucal para gestantes.
Isso porque, de acordo com o presidenciável, tal problema está intrinsecamente ligado à morte de bebês prematuros; considerando, assim, que um bebê nascido de parto prematuro tem mais chances de vir a óbito do que um bebê nascido a termo.
Apesar de não parecer, este raciocínio faz, sim, total sentido.
Como exemplo, está uma notícia da Agência Brasil, publicada em 2016, que anunciou o nascimento prematuro como a principal causa de mortalidade infantil em todo o mundo. A reportagem revelou dados da ONG Prematuridade.com que, à época, também constatou que, a cada 30 segundos, um bebê morre em decorrência do nascimento antecipado no Brasil.
Atualmente, estima-se que para cada mil nascimentos, 15 bebês morrem em território brasileiro – o país ainda ocupa o 7º lugar no ranking de nações que mais matam crianças e adolescentes do sexo masculino, segundo dados de 2015 da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Como odontopediatra, devo dar crédito à fala do presidenciável, apesar de ele ter desconsiderado outros fatores que influenciam na taxa de mortalidade infantil do Brasil. O candidato está coberto de razão quando diz que a má saúde bucal está diretamente associada à prematuridade e que grande parte dos partos prematuros poderiam ser evitados por meio do acompanhamento odontológico das gestantes.
Há anos essa relação vem sendo estudada e existem evidências científicas que demonstram a relação entre infecções bucais em gestantes e a ocorrência de partos prematuros e nascimento de bebês com baixo peso.
Essa ligação se torna ainda mais clara quando nos atentamos para o fato de que a saúde bucal não está separada da saúde de todo o resto do corpo – ao contrário, ela faz parte do todo. Assim, por meio da corrente sanguínea, bactérias e mediadores inflamatórios presentes na infecção bucal podem chegar ao útero materno provocando reações indesejáveis.
A infecção dos tecidos gengivais e ósseos que envolvem o dente pode contribuir para a antecipação do parto, já que os mediadores inflamatórios têm a capacidade de interferir no funcionamento do organismo e, em muitos casos, induzir um trabalho de parto prematuro. Uma gestante com a saúde bucal em dia não correria o risco de ter o parto influenciado por doenças periodontais.
Essa relação é bem conhecida pela comunidade odontológica e, no Brasil, existem políticas públicas voltadas para a atender a essa situação específica. A estratégia de Saúde da Família e até mesmo o cartão de pré-natal disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) contemplam o acompanhamento odontológico das gestantes. Triste é constatar, no entanto, que este atendimento quase sempre não acontece; seja por falha do sistema ou por desconhecimento da população.
Diante deste contexto, é necessário frisar que, do ponto de vista da odontologia, a resposta do candidato faz muito sentido. Enquanto cirurgião-dentista e profissional de saúde, espero que a polêmica não apenas viralize nas redes sociais, mas também traga maior visibilidade às informações que são de utilidade pública e realmente merecem destaque.
Luiz Evaristo Volpato é presidente do Conselho Regional de Odontologia de Mato Grosso (CRO-MT)