Em Mato Grosso cerca de 33 mil famílias do bioma Amazônico aguardam há vários anos pela regularização fundiária. Essas famílias estão distribuídas em glebas e assentamentos localizados em 86 municípios do Estado que representam 60.709.855 hectares, nos quais frequentemente são registrados grandes índices de desmatamentos e graves conflitos por posses de terras.
Associada à dimensão desse problema, entre fevereiro e março desse ano Mato Grosso foi responsável por 60% do desmatamento na Amazônia Legal segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta que só nesse ano 17 pessoas foram mortas em conflitos de terras no Estado. No dia 19 do mês passado 9 trabalhadores rurais da Gleba Taquaruçu do Norte, em Colniza, foram torturados e mortos por causa da terra.
Para diminuir esses conflitos, levar segurança jurídica, valorização da agricultura familiar e frear o desmatamento ilegal nesses municípios, a regularização fundiária é apontada como um dos principais pontos a ser trabalhado. Para discutir o tema, a Agência Andi Comunicação e Direitos, promoveu em Belém (PA) o seminário “O papel da regularização fundiária no combate ao desmatamento da Amazônia”.
O evento reuniu especialistas de diversas áreas e jornalistas dos principais veículos de imprensa do país para tratar sobre o assunto. Durante o debate o arrendamento indevido de terras de assentamentos, a grilagem de terras e a não destinação de terras públicas para algum fim foram apontados pelos especialistas convidados como principais fatores que impulsionam o desmatamento e o crescimento da violência no campo.
Ex-presidente do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Roberto Vizentin lembrou, por exemplo, que no país há um território equivalente a duas Alemanhas em terras públicas sem destinação, o que é um convite à prática de grilagem e desmatamentos. Segundo ele, a destinação dessas terras precisa começar a ser trabalhada pelo poder público como forma de inibir conflitos e derrubada de florestas.
Para complementar, o pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, destacou que houve queda no desmatamento entre os anos de 2005 até 2010 na região Amazônica. Em contrapartida, houve um aumento de assentamentos, áreas protegidas e regularização fundiária. Conforme ele, um estudo de sua autoria mostra que 35% dessa queda pode ser explicada pelo estabelecimento de novas áreas protegidas de diferentes categorias como, por exemplo, terras indígenas. “Portanto há uma relação enorme entre a criação de unidades de conservação, que representam um passo importante para a regularização fundiária, com a queda do desmatamento”.
Professor da Universidade Federal do Pará, especialista em direito agrário, Girolamo Treccani explica que o desmatamento é um processo de apropriação. “Não somente da madeira, mas também como forma de se instalar naquela determinada área”.
Para ele, a questão do desmatamento e da regularização fundiária é um problema de escolha política e destinação das terras, uma vez que o governo, de forma geral, não tem uma base de dados sobre terras que foram incorporadas ou destinadas. “Para quem? Onde? Qual o tamanho? Os governos não sabem”.
Segundo ele, há falhas e inconsistências nos principais programas e instrumentos para se conhecer a realidade fundiária no país. Em Mato Grosso essa realidade é reconhecida e começa a ser trabalhada pelo Gabinete de Articulação e Desenvolvimento Regional do Estado por meio do programa “Terra a Limpo”, que está articulando os órgãos públicos com competência na matéria e com a participação de setores da sociedade mato-grossense para trabalhar conjuntamente na adoção de métodos e técnicas modernas para o levantamento dos dados sobre a estrutura fundiária em Mato Grosso.
Com investimentos na ordem de R$ 60 milhões, recursos esses provenientes do Fundo da Amazônia, não reembolsáveis, ou seja, não exige um pagamento de volta, nem de juros, o programa busca em 4 anos trabalhar a regularização fundiária nos 86 municípios do Estado pertencentes ao bioma Amazônico. De acordo com o secretário do GDR, Antônio Carlos Figueiredo Paz, a situação fundiária em Mato Grosso é marcada por choque de competências, pois no Estado houve regularização feita por órgãos, autarquias e colonizadoras e isso resultou em uma miscelânea de títulos, sesmarias, glebas e áreas indígenas.
Segundo ele, o problema da regularização fundiária em Mato Grosso é advindo da falta de diálogo e consequente falta de base cartográfica única. “Essa questão histórica evidencia que o grande desafio que surgiu da abertura de municípios e da posse de terras apresenta como entrave a ausência de troca de informações e a não existência de um banco de dados único. Então, nunca houve diálogo entre essas empresas, autarquias e institutos, o que criou esse emaranhado de títulos e glebas em Mato Grosso”.
Apesar da proposta inicial estar voltada para esses 86 municípios que compõe a Amazônia Legal dentro de Mato Grosso, o secretário explica que futuramente a expectativa é de que o programa possa ser estendido para os demais 55 municípios que compõe o Estado e que também apresentam problemas quanto à regularização fundiária urbana e rural. “É algo a se pensar após essa primeira etapa entrar em operação e com isso alinhar junto ao BNDES para essa possível segunda etapa, abrangendo todo Mato Grosso”