Acompanhar as atividades das CPIs é fazer um passeio virtual pelo admirável mundo da grana. Deputados, tesoureiros e publicitários falam em milhões de reais como se fossem meia dúzia de bananas, para desespero de uma população acostumada a um salário mínimo de R$ 300. A humilhação é apenas mais um ingrediente na lista de sentimentos provocados pelo dinheiro (ou pela falta dele). Medo do desemprego ou de que o salário não dure até o fim do mês, indecisão quanto à melhor forma de investir e incapacidade de poupar estão na raiz de muitos quadros de ansiedade, depressão e stress.
No livro Dinheiro: sanidade ou loucura? (Editora Axis Mundi, 189 págs., R$ 32), recém-lançado no Brasil, o analista junguiano Axel Capriles, da Venezuela, compara o fanatismo econômico aos transtornos da sexualidade descritos por Sigmund Freud. O complexo de Édipo, diz ele, cedeu espaço ao “complexo do dinheiro”. “Hoje, há mais loucura e enfermidade na atividade econômica do que na sexual. O dinheiro toma mais energia e mais tempo do que o sexo”, analisa. Capriles propõe aos psicoterapeutas explorar mais as questões ligadas ao dinheiro e menos a história sexual dos pacientes. “A moeda é uma fonte de loucura pessoal e coletiva. Você pode ter uma relação harmoniosa com alguém, mas basta falar em dinheiro para que surjam conflitos”, diz.
Luiz Henrique Puglisi, 26 anos. Sua última namorada, dois anos mais velha, mora sozinha e se sustenta, enquanto ele, formado em educação física, trocou a profissão pela sonhada carreira de músico e ainda mora com os pais. Baixista na banda de apoio de uma dupla sertaneja, sua ruína foi ganhar menos de um terço do salário da ex. “Embora ela dissesse que o dinheiro não era importante, eu percebia o valor que ela dá a bons restaurantes, a um carro bacana. Achei que, se aparecesse um cara com a vida feita, eu seria trocado”, lembra o músico. “As sensações negativas trazidas pela falta de dinheiro são, para mim, mais fortes do que o prazer que ele dá”, diz.
Sua experiência confirma um estudo feito pela psicóloga paraense Alice da Silva Moreira, segundo o qual o dinheiro é mais associado a “conflito” do que a “poder” e “prazer”. “A carga emocional dada ao dinheiro no Brasil é enorme. Quanto mais carente é o contexto, mais o dinheiro adquire importância”, diz a pesquisadora. “Isso é evidente no casamento. Se um for perdulário e o outro poupador, pode dar divórcio”, alerta. Já a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, da Associação Internacional para Pesquisa em Psicologia Econômica, atenta para as diferentes formas de lidar com a grana. “Muitos acham mais fácil dizer com quem dormiram do que quanto ganham”, opina Vera, que falará sobre os fatores emocionais do dinheiro na Expo Money, feira voltada para os profissionais do mercado de capitais que acontece no fim do mês em São Paulo.
Os efeitos mais comuns de tamanha preocupação são ansiedade, fadiga e alterações na qualidade do sono. “O stress financeiro é uma das principais razões de acidentes cardiovasculares. Além disso, uma hora e meia a menos de sono implica redução de 30% no rendimento de um dia de trabalho”, diz a neurologista Dalva Poyares, da Unifesp. Aos 50 anos, 36 deles dedicados aos altos e baixos da Bovespa, o operador de capitais Sidney Martins, da Spinelli Corretora, dorme menos de quatro horas por noite. Chega ao escritório às sete da manhã, analisa as notícias econômicas e faz uma centena de telefonemas para seus clientes. Em casa, liga o computador para acompanhar a cotação da Bolsa de Tóquio. Seu segredo para não deixar que os fantasmas do escritório assombrem as poucas horas de sono está na meditação, que faz há 24 anos. “Vejo colegas ansiosos porque não têm tempo de avaliar todas as informações antes de se decidir por uma operação”, resume.
Dívidas – Para grande parte da população, o mundo dos investimentos é uma incógnita. Um estudo da empresa de pesquisas Ipsos Brasil mostra que 68% das pessoas se consideram muito cuidadosas com o dinheiro, mas 54% admitem não conseguir guardá-lo e apenas 5% têm aplicações financeiras. “O brasileiro não sabe planejar e fazer reservas, não se importa em pagar juros altos e está sempre endividado. Cultivamos o consumismo e as dívidas”, analisa William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Para a socióloga e consultora de riqueza Glória Pereira, a questão não é apenas aprender a planejar e calcular juros. É preciso saber como lidamos com o dinheiro e quais os nossos sonhos para, a partir daí, estabelecermos meios de alcançá-los, ou seja, ter educação financeira. “A boa relação com o dinheiro significa fazer o que se quer, sem perder o patrimônio e sem se complicar”, ensina ela, que há oito anos realiza cursos em empresas e orienta viúvas e herdeiros de famílias endinheiradas. Seu último livro, As personalidades do dinheiro (Editora Campus-Elsevier, 222 págs., R$ 38), traz sete tipos psicológicos estabelecidos no trato com o cobiçado metal.
Amigos de adolescência, os integrantes da banda de rock Homem do Brasil sempre tiveram dificuldade em ganhar dinheiro com a música. O baterista Rodrigo Vitali, 33 anos, conta que as coisas ganharam outro rumo quando seu irmão, o vocalista Alexandre, levou o resto do grupo para uma orientação com Glória Pereira. “Aprendemos a colocar o preço certo numa apresentação e a buscar patrocínio. Hoje, estamos no terceiro CD e somos sócios no Selo Tambor”, conta Rodrigo. Com a mesma intenção de melhorar a relação com a moeda, o Grupo VR, do Vale Refeição, acaba de lançar, em parceria com o Instituto Akatu, um programa de consumo consciente e uso responsável do dinheiro e do crédito. Até um jogo foi criado para os cursos de capacitação de profissionais oferecidos às 20 mil empresas clientes do Grupo VR. Iniciativas como essas não eliminam os fantasmas da vida econômica, mas ajudam a deixá-los um pouco mais longe.