O início da Piracema em Mato Grosso é marcado por irregularidades. Na madrugada de ontem, 200 kg de pescado foram apreendidos na cabeceira do rio Cuiabazinho, localizada entre os municípios de Rosário Oeste e Nobres. Junto aos exemplares de jaus, dourados e pintados, estavam 10 redes e tarrafas, 3 espingardas e um freezer. Ninguém foi preso. Um outro flagrante de crime ambiental aconteceu no final da tarde de terça-feira, pelo repórter fotográfico de A Gazeta, Chico Ferreira, que conseguiu surpreender pescadores passando redes no Rio Cuiabá, às margens da comunidade São Gonçalo Beira Rio, onde ironicamente a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) lançou a campanha de proibição da pesca.
Nas cenas vistas na comunidade que fica a poucos quilômetros do centro da cidade, foi possível observar que caminhonetes oferecem suporte aos profissionais da área que praticam os crimes. É bom lembrar que essa é uma proibição que vale para o ano todo, pois significa pesca predatória. Pelo menos na terça-feira, esses homens trabalharam tranquilamente, sem que houvesse nenhum tipo de fiscalização. Usaram estradas de terra estreitas e de declive para descer. Os veículos ficavam estacionados entre a vegetação e o rio. Os peixes eram retirados das redes e provavelmente levados para alguma casa na região, que serve como depósito.
Durante o evento oficial, alguns pescadores ribeirinhos reclamaram da falta de estrutura para autuar essas pessoas que geralmente chegam de fora para praticar os delitos. Benedito Valter da Silva, 52, explica que existem no bairro em torno de 25 pais de família que trabalham nessa área, outros 20 ou 30 vem de localidades vizinhas. Mas a situação é de descontrole. A todo momento ele denuncia que são realizadas práticas proibidas e por medo a maioria das pessoas não denuncia. “Essa gente desce o rio armada, não tem como alguém daqui enfrentar a situação, até porque falta apoio das autoridades. Se a gente telefona, demoram para vir”.
Nascido no Pantanal e criado em São Gonçalo, Manoel Ramiro Cortez, 45, diz que é necessário criar um posto de fiscalização permanente na comunidade para poder inibir as práticas predatórias. O mesmo avalia a pescadora Elza Amaral, 70, conhecida como “dona Fiinha”, que aponta para toneladas de pescado sendo levadas rotineiramente do rio sem que ninguém seja punido. “Nós que somos profissionais sobrevivemos precariamente, somos perseguidos por esse pessoal que chega aqui, leva nosso peixe e depois foge. Alguns saem de avião ou lancha pelo Pantanal”.
Moram na comunidade cerca de 300 pessoas, a maioria filho da terra. Os meninos, principalmente, iniciam-se na atividade da pesca aos 7 anos de idade, quando já conseguem segurar uma vara de pescar. A presidente do bairro, Juliana Rodrigues da Conceição, 42, afirma que além da falta de fiscalização, falta estrutura que ajude a preservar o meio ambiente, como lixeiras e conteiners ao longo das margens. “Cresci tomando banho nessa água, mas hoje a gente sabe que está infectada”.
Ela diz que a poluição tomou conta, o nível de coliformes fecais é um dos mais altos da região. Felizmente os peixes ainda não desapareceram, mas esse perigo está cada vez mais próximo. “O ribeirinho hoje está tendo que reaprender a viver sem aquilo que mais gosta, que é a água. Daqui a pouco, não vai sobrar nada, precisamos de ajuda urgente”.
Sem buscar outras alternativas, as famílias podem passar fome. Dona Elza, por exemplo, faz artesanato, doces e comidas típicas para vender.
Apreensões – O coordenador de Fiscalização da Pesca da Sema, Marcelo Cardoso, afirma que a quantidade de pescado apreendida entre 1º de janeiro a 31 de outubro deste ano chegou a 8.545 kg de peixe, contra 14.391 kg no mesmo período do ano passado, o que equivale a 40% a menos. O número de redes apreendidas também reduziu de 870 para 660, totalizando todos os flagrantes até final de outubro. No ano passado, 26 pessoas foram encaminhadas às delegacias, por pesca ilegal, mas nenhuma está presa.
Entre as últimas apreensões, está uma ocorrida no dia 28, de 200 quilos de peixe fora da medida e com sinais de pesca irregular (malhas de redes). O flagrante foi feito por policiais militares do Núcleo Especializado Ambiental do 9º Batalhão de Cuiabá, que localizaram ainda carne de caça no veículo. Três homens foram presos, todos alegaram ser vendedores autônomos e compraram as espécies de pescadores na região de Mimoso, no Pantanal. Em três dias de intensificação de fiscalização no último final de semana antes da Piracema, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) também registrou várias apreensões de pescado em veículos nas BRs do Estado. Foram 806 quilos apreendidos.
Com o período de proibição entre 1º de novembro deste ano a 28 de fevereiro de 2009, a Sema aposta em conscientização da população para respeitar o tempo de procriação dos peixes. A superintendente de Educação Ambiental, Vânia Márcia César, explica que as crianças e os adolescentes têm ajudado a sensibilizar as famílias quanto ao respeito ao meio ambiente e aos rios e córregos. “Resolvemos fazer uma gincana para integrar as escolas da região e difundir as idéias corretas sobre água, pesca, resíduos sólidos (lixo), turismo e cultura”.
Para o diretor da Escola Municipal Gastão Mattos Muller, do Pedra 90, Ari Corrêa de Lima, 33, trabalhar os conteúdos de preservação da natureza na sala de aula tem sido fantástico. As crianças têm facilidade para entender o processo e atrair a atenção dos pais para o perigo de ficar sem água no futuro. “Nós enfocamos os riscos das queimadas urbanas e o destinação do lixo, fizemos até um mutirão de limpeza e recolhimento para mostrar que nem papel de bala pode ser jogado no chão”.
Os alunos Wanderson Rondon e Isabela Santos, ambos de 10, estavam curiosos com as novidades trazidas, pois até então não faziam idéia da importância que um simples gesto causa de estrago. “Existe uma medida certa para pescar cada peixe, jogar rede é proibido, mas a gente às vezes vê as pessoas fazendo. Se continuam a agir assim, quem sai perdendo somos nós”, diz Wanderson.
Na Escola Municipal Ana Teresa, do Jardim Industriário 2, as 650 crianças aprenderam tudo sobre a água e também que economizar é necessário. O esgoto e o lixo estão matando uma fonte natural que até um tempo atrás a população acreditava ser inesgotável. “Eles pesquisaram para produção de textos e trabalhos, uma das surpresas foi o envolvimento dos pais”, pontua a professora Edna Tavares Modesto.
“Se a gente não cuidar, toda essa beleza vai acabar, a água se esgotará”, explicam as estudantes da 3ª série Nayara, Bianca, Esther e Keity, com idades entre 9 e 10 anos.
A piracema segue até o fia 28 de outubro de 2009. Denúncias podem ser feitas pelo 0800-65 3939, em horário comercial.