O governo de Mato Grosso busca apoio do governo federal para garantir o fornecimento regular e seguro do gás natural pela Bolívia, já que o contrato que garante a importação do insumo expira em 2019. Por sua vez, o Ministério de Minas e Energia (MME) começa a antecipar uma solução para garantir a sustentação do mercado e apresentou na última terça-feira (26), durante evento sobre o setor no Rio de Janeiro, a proposta de criar uma agência reguladora, já que a Petrobras que atualmente mantém contrato com os bolivianos para garantir o combustível ao Brasil reduzirá sua participação nesse mercado. Criar um ente responsável pela coordenação da operação do transporte do gás natural, da forma como atua o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é uma sugestão de agentes do setor.
“A estratégia do governo é criar uma agência que funcione como uma Câmara de Compensação para organizar o mercado de compra e venda de gás entre os novos players privados, com a saída gradativa da Petrobras”, comenta o diretor de Relações Institucionais da Empresa Produtora de Energia (EPE)/Pantanal Energia e que administra a Usina Governador Mário Covas (Termelétrica de Cuiabá), Rodrigo Zúniga de Melo Sousa.
Segundo o próprio MME, está em estudo o aprimoramento de diretrizes do segmento que serão traçadas após debates com empresas, agentes da indústria, associações representativas e governos estaduais. A previsão é consolidar a proposta até o fim de setembro, segundo o secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do MME, Márcio Félix, para que durante o mês de outubro seja realizada uma consulta pública.
Ao fim desse processo, o MME poderá propor o encaminhamento das contribuições às instâncias cabíveis, como o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). A ideia central é ampliar a diversidade do mercado de gás natural para que cresça e seja mais competitivo. Nesse sentido, o governo federal deve considerar a atração de investimentos, o aumento da competição, a diversidade de agentes, a adoção de boas práticas internacionais, maior dinamismo e acesso à informação, a participação ativa dos agentes do setor e respeito aos contratos firmados, como cita o secretário. De acordo com o governador de Mato Grosso, PedroTaques (PSDB), o suprimento do gás é uma preocupação compartilhada com o estado vizinho, Mato Grosso do Sul. Juntos, os 2 estados iniciaram o diálogo com o governo federal para renovar o contrato do fornecimento do combustível com a Bolívia, mas sob condições diferentes das atuais. “A primeira condição é que a Bolívia forneça gás firme para Mato Grosso, sem diminuir ou aumentar. Se não tiver segurança, ninguém vai investir em gás no Estado”.
Internamente, a autarquia MT Gás será reformulada para buscar investidores privados interessados no mercado de gás. Taques observou que o Gasoduto Lateral Cuiabá (administrado pela Gás Ocidente, ligada à Pantanal Energia) épróximo à Zona de Processamento e Exportação (ZPE) de Cáceres. “Estásendo trabalhada a parceria com a iniciativa privada para que possamos levar o gás até lá, porque precisamos de uma matriz energética barata. Estamos tratando disso junto com Mato Grosso do Sul”. Há 30 dias, aproximadamente, houve uma reunião com os representantes dos 2 estados no Ministério das Relações Exteriores para tratar do tema. “Essa é uma discussão que tem que ser feita pela União com o governo boliviano para atrair investidores. O Brasil empresta dinheiro à Bolívia para construir estradas, por exemplo. A ideia é que a União faça a gestão política para que tenhamos a reassinatura desse contrato com a Bolívia (a partir de 2019). Estamos cobrando isso do Ministério das Relações Exteriores. Conversamos duas vezes sobre esse tema em reuniões no Itamaraty e o presidente (Michel) Temer me disse que o (ministro) José Serra levou essa situação até ele para que possa avançar”.
Conforme o governador, está previsto um evento no Estado para discutir o mercado do gás, com a participação dos ministros da Justiça (Alexandre de Moraes), das Relações Exteriores (José Serra) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Marcos Pereira).
O historiador Alfredo da Mota Menezes alerta para a importância de uma aproximação com a Bolívia. “Nós precisamos mais dos bolivianos do que eles de nós. Mas essa é uma máxima à qual nunca se deu atenção em Mato Grosso. Nem vou entrar pelo viés do enorme problema das drogas, fico com a questão do gás. O gasoduto chegou, também a termelétrica. Mato Grosso poderia ter energia ou gás direto para as indústrias e para a ZPE se houvesse uma aproximação maior com os bolivianos. E isso deveria ser uma política de governo”, analisa. “Também não se vê nenhuma movimentação do setor empresarial nessa busca. Seríamos competitivos, se tivéssemos a matéria-prima no quintal. Como pode um Estado que tem 900 quilômetros de fronteira com a Bolívia -país que detém reservas e ainda pode aumentar a produção do gás – não estender a mão para uma aproximação concreta?”.
Para Menezes, diante da aproximação do término de vigência do contrato de suprimento do gás boliviano, Mato Grosso deve atuar junto ao governo federal e, concomitantemente, se aproximar dos fornecedores do insumo que poderá tornar as indústrias mato-grossenses mais competitivas. Garantir o alcance ao gás natural que está tão próximo para suprir a demanda por energia gerada com o insumo na ZPE é possível com essa proximidade entre o Estado e o país boliviano, reforça ele. O estreitamento dessa relação internacional trará outras vantagens, como a comercialização e o transporte de matérias-primas e maquinários por meio da hidrovia Paraguai-Paraná e o alcance ao mercado andino, completa o especialista. “Tudo passa pela Bolívia”.
TENTATIVAS – O diretor de Relações Institucionais da EPE – mantida pela holding J&F, que administra os frigoríficos do Grupo JBS – diz que a empresa abriu negociação com o governo boliviano para garantir o fornecimento direto do gás para geração de energia para a térmica, já que a dependência em relação ao insumo boliviano é total. A UTE Mário Covas aguarda a renovação do contrato com a Petrobras para retomar a geração a partir deste mês, já que está paralisada desde janeiro deste ano e a estatal brasileira mantém o acordo com a Bolívia. “A prioridade do governo boliviano é o mercado interno, seguido do fornecimento à Petrobras, que adquire cerca de 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia, além do governo argentino”, comenta. Contudo, devido às dificuldades enfrentadas atualmente, a estatal brasileira irá se retirar do mercado de gás, lembra Zúniga. “Isso vai impactar na renovação do contrato de fornecimento que encerra em 2019”. Diante dessa nova realidade, o governo boliviano será forçado a negociar o gás com empresas particulares no varejo, analisa o diretor da EPE. “Eles terão sobra de gás e isso será bom para nós. Se o governo do Estado tiver isso em mente vão surgir excelentes oportunidades de fomentar o mercado de gás, não só para geração energética, mas sobretudo para o uso industrial”.
A proximidade de Mato Grosso com a Bolívia traz vantagens também em relação aos preços. “Devido à concorrência vão ficar bastante convidativos”. Mas, a concretização das previsões de Zúniga será possível se o governo estabelecer um planejamento visando esse mesmo horizonte. “Sobretudo resolvendo diversas questões de insegurança jurídica que podem afugentar investidores”.