O depoimento detalhado de duas crianças vítimas de atentado violento ao pudor praticado pelo próprio padrasto, alicerçado a provas contidas nos autos, mesmo sem o exame pericial positivo para as agressões, é suficiente para a manutenção da condenação do autor no entendimento da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. A câmara manteve sentença original que havia condenado o réu a cumprir 11 anos e três meses de reclusão, em regime inicial fechado. A decisão foi unânime.
O apelante foi condenado pelo Juízo da Terceira Vara Criminal da Comarca de Cuiabá pela prática de crime disposto no artigo 214 (atentado violento ao pudor), combinado com os artigos 224, alínea “a” (com presunção de violência, pois as vítimas tinham menos de 14 anos), e 226, inciso II (aumento de pena pelo crime ter sido praticado pelo padrasto), do Código Penal. O réu, de acordo com os autos, a fim de satisfazer seu apetite sexual, em datas diversas teria obrigado as duas vítimas (uma menina de seis anos e um menino de oito anos) a praticar e permitir que com ele fosse praticado ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
A defesa do réu interpôs recurso de apelação para pleitear a absolvição por falta de prova pericial conclusiva sobre a materialidade do delito de atentado violento ao pudor e também por insuficiência de provas da autoria.
No entendimento do relator do recurso, desembargador Rui Ramos Ribeiro, nem sempre fatos dessa natureza são possíveis de se comprovar em laudos periciais. Entretanto, a materialidade pode ser demonstrada através de depoimentos e testemunhos seguros quanto à ocorrência da submissão ao ato libidinoso. Assim, não haveria de se acolher a tese de ausência de materialidade, por ter sido confirmada nas declarações das vítimas e pelo testemunho da conselheira tutelar que acompanhou as crianças.
A conselheira contou que em novembro de 2003 foi recebida denúncia, por telefone, informando que o padrasto das crianças estaria abusando sexualmente delas. Esclareceu que elas teriam contado como aconteceu o crime e que o padrasto bebia muito e usava drogas. Uma das vítimas teria contado para mãe o que acontecia com ela e com o irmão, entretanto, a genitora teria dito para que ela dormisse em outro quarto para que não acontecesse novamente.
O relator esclareceu que nos crimes contra os costumes a palavra das vítimas é de suma importância para o esclarecimento dos fatos, considerando a maneira como tais delitos são cometidos, na clandestinidade, possuindo presunção de veracidade quando apresentada em coerência com o conjunto probatório. Além disso, o magistrado esclareceu que não foi comprovado qualquer motivo que levaria as vítimas a proferir acusações em desfavor do réu de forma leviana, ainda mais se considerar suas idades, cuja capacidade de inventar e manter tais histórias, com tamanha complexidade, mostra-se inacreditável.
Também participaram da votação os desembargadores Juvenal Pereira da Silva (revisor) e Shelma Lombardi de Kato (vogal).