A ausência de razoabilidade, exigida do homem médio, conduz à configuração da responsabilidade civil, quando a imputação do crime se deu sem o mínimo suporte fático. Diante desse entendimento, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso não acolheu recurso interposto contra um supermercado visando reformar sentença que julgou procedente a demanda indenizatória, condenando-o ao pagamento de R$ 63,07 para reparação de danos materiais e de R$ 10 mil por danos morais.
Consta dos autos que em 22 de agosto de 2008, um consumidor foi detido dentro do supermercado pela equipe da Polícia Civil e conduzido coercitivamente, na viatura policial, ao Cisc do Parque do Lago, para averiguação de suposto crime de estelionato. O responsável pelo supermercado teria noticiado o estelionato porque a carne que o consumidor teria comprado no supermercado – quatro peças de picanha, um quilo e meio de bisteca e duas peças de filé mignon – teria sido pesada, embalada e etiquetada como se fosse músculo dianteiro, de preço muito inferior.
Segundo o responsável pelo supermercado informou no ato da lavratura do boletim de ocorrência, o consumidor teria praticado o crime de estelionato com a cumplicidade do açougueiro do mercado, que também foi conduzido à delegacia.
Sustentou o relator da apelação, desembargador Orlando de Almeida Perri, que não se pode desprezar o direito do apelante de denunciar possível delito ocorrido em suas dependências, com envolvimento de funcionário seu. "Ocorre que a prova contida nos autos revela os excessos e incongruências cometidas pelo apelante, o que leva à configuração do ilícito civil, gerador do dano moral", asseverou o magistrado.
Segundo consta do depoimento das testemunhas, entre elas o açougueiro acusado, o consumidor teria comprado as carnes e solicitado a entrega em sua residência, mas como não entregaram, dirigiu-se até o supermercado para saber o que tinha acontecido. Foi só então que o consumidor tomou conhecimento, após verificar a nota fiscal, que havia pagado por músculo dianteiro. "Assim, não parece crível que houvesse a intenção de lesar ou mesmo existisse o suposto conluio com o açougueiro, porquanto se houvesse dolo, é razoável presumir que as carnes não teriam sido deixadas no próprio supermercado, sujeitadas à fiscalização pelo gerente", salientou o relator.
Ainda de acordo com os autos, o próprio açougueiro reconheceu que cometeu um erro no momento da pesagem, registrando o código errado na balança, mas que não teve a intenção de lesar e não teria recebido nada por isso. Cabe destacar, conforme o magistrado, a inexistência de prova de que o açougueiro teria obtido qualquer benefício com o erro na pesagem da carne. Junte-se a isso o laudo pericial que comprova as lesões sofridas pelo açougueiro supostamente causadas pelo filho do proprietário do supermercado, como reprimenda ou coerção em consequência dos fatos.
Lembrou ainda o magistrado que o consumidor afirmou ter sugerido, no momento em que voltou ao supermercado para buscar a carne que não havia sido entregue, a simples substituição da etiqueta do preço, por outra com a pesagem e o preço corretos, mas não foi atendido, ao contrário, foi conduzido à delegacia. "Portanto, configurada a ilicitude do ato praticado pelo apelante, o dano moral dele decorrente se mostra presente, porquanto se operam por força do ato de violação, independentemente da configuração da culpa", acrescentou o magistrado.
A defesa do supermercado alegou, sem êxito, que o fato de o consumidor ter sido conduzido à Delegacia de Polícia para averiguação não constitui ato ilícito praticado pelo apelante e, de consequência, não resulta em dano moral. Argumentou ainda não haver prova da culpa, elemento subjetivo indispensável para aferição da responsabilidade civil e acrescentou que o valor da indenização pelo dano moral se mostra exorbitante, merecendo adequação ao nível social do demandante.
Na avaliação do magistrado, doutrina e jurisprudência são pacíficas no sentido de que a fixação da indenização por dano moral deve se dar com prudente arbítrio, para que não haja enriquecimento à custa do empobrecimento alheio, mas também para que o valor não seja irrisório. Considerou ainda que o valor arbitrado a título de danos morais, qual seja R$ 10 mil, não se mostra exacerbado, ao contrário, está em consonância com a orientação do Superior Tribunal de Justiça para casos análogos.
O voto do desembargador relator foi seguido pelos desembargadores Marcos Machado (revisor) e João Ferreira Filho (vogal). O acórdão foi publicado em 28 de novembro de 2012. Confira aqui a decisão na íntegra.