Cinco anos e meio de funcionamento das Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher já resultaram em 3.761 prisões, das quais 3.348 em flagrante e 413 decretadas preventivamente. Hoje é muito mais provável ser preso por bater numa mulher do que por praticar um furto. A opinião é da juíza Ana Cristina Silva Mendes, titular da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Cuiabá, cuja instalação ocorreu em 22 de setembro de 2006, há cinco anos e meio. Coincidentemente, no mesmo dia em que começou a vigência da Lei 11.340, também conhecida como Lei Maria da Penha, criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Para marcar o Dia Internacional da Mulher, a ser comemorado nesta quinta-feira, a magistrada, que é a atual presidente do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), divulga um balanço das ações das quatro Varas Especializadas em funcionamento no Estado – duas em Cuiabá, uma em Várzea Grande e uma em Rondonópolis (200 km ao sul de Cuiabá).
Nestes cinco anos e meio, foram distribuídos quase 45 mil processos, que resultaram em 3.761 prisões, das quais 3.348 foram em flagrante e 413 decretadas preventivamente, além da imposição de 18.186 medidas protetivas de urgência, o que impede o agressor de se aproximar da vítima por uma determinada distância.
Segundo a magistrada, todas as quatro Varas Especializadas estão devidamente estruturadas e, com a implantação da Coordenadoria das Varas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Cemulher), dirigida por ela, estão sendo intensificadas medidas visando melhorar ainda mais seu funcionamento.
As duas varas de Cuiabá responderam por 2.251 destas prisões, sejam elas em flagrante ou preventivas, um percentual de quase 60%, e por quase 70% das medidas protetivas de urgência impostas, num total de 12.530. A Vara de Várzea Grande, por sua vez, decretou 742 prisões em flagrante (19,7%) e aplicou 2.309 medidas protetivas de urgência (12,69%), enquanto a de Rondonópolis registrou 745 prisões em flagrante e 23 preventivas (20,4%) e impôs um total de 3.347 medidas protetivas (18,4%).
"A lei precisa ser divulgada e aplicada com rigor, para ter efeito pedagógico, para que haja mudanças culturais e comportamentais. Pode-se não mudar todos, mas é possível mudar uma boa parcela. Quem é preso uma vez, não quer ser preso novamente", diz Ana Cristina Mendes.
Segundo ela, não se pode aceitar a cultura de que a mulher é propriedade do homem, que deve a ele submissão, levando-o a se comportar de forma possessiva, ciumenta, arrogante e agressiva. "No sentido bíblico, a interpretação correta é a de que a mulher não é submissa ao homem, mas está sob a sua mesma missão. Ou seja, são iguais, parceiros. O homem é visto como protetor, não para agredir, mas para enlaçar", diz a juíza.
Segundo ela, influências externas, principalmente o álcool e as drogas, potencializam o homem primitivo (das cavernas), aquele que não aceita a rejeição da mulher, que fantasia amantes. "Muitas vezes, a mulher começa a viver o ciclo da violência e não percebe, porque muitas vezes começa na fase da paixão. De repente, vem o período do estranhamento, quando surgem as agressões verbais (o homem coloca defeito em tudo, chama a mulher de preguiçosa, etc.), até chegar à agressão física. Após a agressão, volta a ‘lua de mel". A situação chega ao limite quando este comportamento se transforma num círculo vicioso", diz.
A magistrada compara esta imagem à da gaiola dourada, em que a mulher, ao invés de tentar sair desta situação, prefere nela se manter. "Quando abre a porta para sair e está no momento de se libertar, não sai, com o argumento de que ‘ele vai melhorar", lamenta Ana Cristina Mendes, acrescentando que este comportamento, quando constante, tende a se reproduzir na vida dos filhos. Ou seja, os homens tendem a ser agressores, enquanto as mulheres, vítimas.
Além da aplicação rigorosa da lei, a Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher não apenas faz divulgação constante da Lei Maria da Penha como promove programas de palestras aos agressores domésticos que estão detidos. "Parece que eles estão se conscientizando, pois já não ouço mais a expressão ‘doutora, não sei porque estou aqui. Não matei e nem roubei, apenas dei uns tapas em minha mulher", como era comum ouvir", conclui a juíza.
Álcool e desistência, uma rotina
Muitas mulheres vítimas de agressão de seus companheiros desistem de continuar com a denúncia, o que não poderá mais ser feito, porque o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, em fevereiro deste ano, que qualquer pessoa pode fazer a denúncia, mesmo contra a vontade da vítima. O motivo alegado é que após o "susto" pela denúncia, a maioria muda completamente de comportamento.
Em alguns dos depoimentos concedidos à magistrada, as vítimas, cujos nomes aqui são fictícios para preservá-las, colocam a bebida como principal motivo para as agressões. É o caso, por exemplo, de Cleusina Silva. Segundo ela, seu companheiro sempre foi um homem muito trabalhador, "mas quando bebia era uma agonia. Após a audiência e a juíza deixar claro para ele que aquela seria sua última chance, nunca mais me agrediu. A aplicação da lei foi boa", disse.
"Desisti da ocorrência, porque ele melhorou. Reduziu a bebida e não me agrediu mais, porque sabe que se fizer, darei queixa novamente. Não vou permitir agressões nem à minha pessoa nem aos meus filhos", afirmou Edineia Santana.
Já Marinete Nonato, mãe de um filho deficiente que a impedia de trabalhar o dia inteiro fora de casa, também não quis dar seqüência à denúncia, mas tomou uma outra decisão. "Após fazer concurso público, comecei a trabalhar meio expediente, o que me dá tempo para cuidar de meu filho, e fiquei independente. Ainda estamos vivendo juntos, mas já pedi a separação".
Esta é também a decisão de Maria Auxiliadora, mãe de três filhos e que recebe meio salário mínimo de pensão do marido. Além da bebida, ela culpa a sogra pelas agressões. "Sempre foi bom pai, bom homem, mas a mãe dele atrapalha. Não vou voltar, vou para São Paulo, sozinha".