Nos últimos 10 anos, o número de famílias morando em áreas de risco em Cuiabá saltou de cerca de 3 mil para 6,4 mil, um crescimento de mais de 110%. Localizados próximos aos córregos e rios da Capital, os terrenos representam aproximadamente 35 hectares da cidade. Os perigos da ocupação destes pontos não se restringem apenas à população, mas também à natureza. Todos os anos, pelo menos 5 grandes bairros enfrentam os prejuízos causados por alagamentos, enchentes e deslizamentos de terra nestas áreas. Apesar disso, famílias insistem em manter suas casas e continuam morando nestas condições. Enquanto alguns dizem não terem para onde ir, outros afirmam que já estão "acostumados" com a situação e pedem ao poder público melhorias na área onde criaram suas famílias.
Moradora do bairro Getúlio Vargas II há 9 anos, Maria de Lurdes Costa Domiciano, 59, já teve a casa alagada diversas vezes. Natural de Peixoto de Azevedo (691 km ao norte de Cuiabá), ela mudou para a Capital em busca de uma oportunidade de melhorar de vida. Depois de morar por algum tempo no bairro Tijucal, mudou com a família para o Getúlio Vargas II.
"Eu gosto daqui e meus filhos também. Quando cheguei, fiz amigos em toda a vizinhança. Passamos pelas mesmas dificuldades todos os anos e estamos sempre juntos. Ninguém aqui quer deixar sua casa. O que queremos é a ponte arrumada, rede de água e energia elétrica, asfalto, e outras melhorias".
Segundo Maria de Lurdes, o medo de ter a casa atingida pelas cheias é frequente, principalmente porque sua residência fica ao lado do córrego. Para ela, ir para outro local é quase impossível. Além dela, moram na casa sua filha e 3 netos. De acordo com a Defesa Civil do Estado, o bairro é uma das áreas de risco da Capital.
"Não adianta a Prefeitura me oferecer uma casa distante de tudo, onde mal cabe eu e minhas coisas. Para sair daqui, tenho que ter a certeza de que minha filha e meus netos irão comigo".
Compartilhando da mesma opinião de Maria de Lurdes, sua vizinha Loracy Gonçalves Machado, 47, também mora ao lado do córrego. No local há 3 anos, ela diz que os moradores já sabem até quando o bairro será alagado por conta da chuva. Diante disso, criaram um "esquema" para ser praticado nesses dias.
"Se você vier aqui no dia 19 de março verá todo mundo retirando móveis e objetos de dentro de casa. Cada um vai tirando o que tem e passa para o outro, através da ponte. Daí levamos para a parte mais alta do bairro e conseguimos salvar pelo menos o mais importante. É assim todo ano".
Professor de Geografia Urbana e Regional da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cornélio Silvino Vilarinho Neto explica que as áreas de risco, hoje ocupadas por aproximadamente 18 mil pessoas em Cuiabá, começaram a receber os primeiros moradores por volta dos anos 80. Na época, devido ao crescimento de municípios do interior do Estado, aliado à especulação imobiliária na região, muitas famílias saíram do Norte e Nordeste do país para Mato Grosso.
"A maioria dessas pessoas não tinha condições financeiras suficientes para se manter nas cidades. Muitas compravam terrenos sem a fiscalização adequada e depois tinham as terras tomadas por falta de pagamento. Diante disso, eram obrigadas a retornar para seu local de origem, porém, grande parte optava por ficar em Cuiabá".
Para Neto, a ausência de políticas públicas voltadas para a questão fundiária na Capital tem contribuído com o aumento na quantidade de famílias moradoras de áreas de risco. O professor afirma que há no município locais para onde estas pessoas poderiam ser transferidas, fazendo com que deixassem de ser ameaçadas.
"Existem duas enormes áreas na Estrada do Moinho (avenida Archimedes Pereira Lima) e na avenida das Torres, por exemplo, que poderiam ser desapropriadas e colocadas à disposição do bem social. São terrenos que abrigariam muito bem essas milhares de famílias, sem oferecer risco algum ao meio ambiente e a elas".
Riscos ambientais- Além dos perigos à população residente em áreas de risco, as casas e barracos improvisados construídos nestes locais são um risco também para o meio ambiente. De acordo com o professor de Geografia Urbana e Regional da UFMT, Cornélio Silvino Vilarinho Neto, quando a vegetação é retirada para dar lugar aos imóveis, enfraquece o solo, fazendo com que a iminência de deslizamentos seja maior.
"Muitos rios e córregos da cidade correm o risco de secar nos próximos anos, porque a água da chuva não chega até lá. Além disso, sem a vegetação local, o solo vai ‘morrendo" aos poucos. Outro perigoso dano ambiental é em relação à proliferação de vírus, que com o calor gerado por essas construções, aumenta consideravelmente".
Coordenador da Defesa Civil em Cuiabá, Oscar Amélito conta que em uma parceria com a Delegacia Especializada do Meio Ambiente (Dema), o órgão estará atuando nas áreas de riscos da Capital, notificando moradores por crime ambiental. Segundo ele, os locais deverão ser desocupados e as pessoas realojadas em programas como o "Minha Casa, Minha Vida" e casas populares construídas pela Prefeitura.
"Muitas dessas ocupações estão em Áreas de Preservação Permanente (APP), onde em uma distância de 30 metros de cada ponto, nada poderia ser construído. Como o próprio nome diz, é uma área de preservação. Por isso, os ocupantes serão responsabilizados de acordo com as leis de proteção ambiental".