O Ministério Público Federal propôs ação civil pública em que pede que a Justiça Federal obrigue a Funai a concluir, em até 30 dias, o relatório para a revisão dos limites da Terra Indígena Enawenê-Nawê, incluindo a região do Rio Preto. Localizada na região noroeste de Mato Grosso, no município de Juína, a Terra Indígena (TI) Enawenê-Nawê foi homologada em 1996, ratificando os limites estabelecidos por uma portaria de 1986, que interditou a área tradicionalmente ocupada pelos índios depois de um grave conflito agrário com fazendeiros da região.
Porém, tanto a portaria interditória quanto a portaria de homologação dos limites da TI equivocadamente não incluíram o Rio Preto, considerado pelos índios e confirmado por grupos de trabalho para a demarcação do território e por diversos estudos antropológicos, um rio imprescindível à sobrevivência física, cultural e alimentar daquele povo. A conclusão dos estudos dos três grupos de trabalho englobava a região do Rio Preto e afirmava ser "a única proposta viável para a garantia dos direitos indígenas e das condições necessárias para a sobrevivência da sociedade Enawenê, de acordo com as suas pautas culturais".
Desde a publicação da portaria interditória que desconsiderou a importância do rio para os Enawenê-Nawê, instituições de defesa dos indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Missão Anchieta e Operação Amazônia Nativa (Opan), comunicaram aos órgãos competentes a gravidade da exclusão de áreas sagradas e de uso tradicional dos índios, principalmente a cabeceira do Rio Preto.
Revisão dos limites – Atendendo o pleito dos indígenas, no ano 2000 teve início o processo de revisão dos limites da terra indígena. Apesar de dispor de recursos para formar o grupo de trabalho e contratar pessoal para realizar os estudos para a revisão dos limites da TI, somente sete anos depois, em 2007, é que o primeiro grupo de trabalho foi constituído. Os prazos estabelecidos na época eram de 6 dias de trabalho em campo e mais 25 dias para a entrega do relatório. Porém, somente cinco anos depois, em agosto de 2013, é que o grupo de trabalho foi designado.
Para o Ministério Público Federal, esse tempo de inação da Funai diante do pleito dos indígenas, que desde 2000 é arrastado pela administração do órgão, foi extremamente prejudicial à população indígena, acirrando os conflitos agrários na região e a degradação ambiental ao longo dos anos. "Demonstra-se evidente que diante do quase absoluto silêncio administrativo da Funai, a via judicial é a única capaz de assegurar as garantias constitucionais estabelecidas aos povos indígenas", afirmam as três procuradores da República Talita de Oliveira, Ludmila Bortoleto Monteiro e Marcia Brandão Zollinger, que assinam a ação civil pública.
Rio Preto – Um dos principais rituais de pesca da etnia Enawenê-Nawê é realizado no Rio Preto e está ameaçado há anos. Os indígenas precisam da autorização dos fazendeiros para utilizar o rio. Além disso, as substâncias tóxicas utilizadas nos garimpos da região, o impacto da construção de hidrelétricas e os desfolhantes utilizados nas lavouras têm atingido o curso dos rios e diminuído drasticamente a presença de peixes.
A dimensão da importância cultural que o ritual Yaokawa representa não só para os indígenas foi reconhecida pela Unesco, sendo registrado como Patrimônio Imaterial Cultural da Humanidade; e pelo Iphan, sendo registrado como Patrimônio Histórico Cultural Brasileiro.
O MPF defende que é necessário corrigir o equívoco que, a despeito dos estudos antropológicos, desconsiderou o rio Preto. "A ação proposta pretende assegurar a plena realização dos direitos indígenas garantidos pela Constituição, mas também a salvaguarda do patrimônio imaterial, histórico e cultural brasileiro", afirmam as procuradoras.
Ação – Na ação, o MPF pede, também, que a Funai e a União sejam obrigadas a cumprir as etapas seguintes à conclusão do relatório no prazo máximo de 24 meses. As etapas seguintes ao estudo são: (2) aprovação pela Funai, (3) contestações ao estudo de identificação, (4) declaração dos limites da terra indígena, (5) demarcação física, (6) homologação e (7) registro dos limites revisados da terra indígena.
No julgamento do mérito da ação, o MPF pede a condenação da Funai e da União ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, em valor a ser definido pelo juiz, revertida para investimentos diretos em políticas públicas destinadas aos Enawenê-Nawê.