Quarenta e um por cento das obras para a Copa do Mundo de 2014, em Cuiabá e Várzea Grande, já deveriam ter sido
entregues se os prazos iniciais de conclusão nos contratos tivessem sido honrados. Conforme as datas estipuladas nos contratos firmados entre o governo estadual e as empresas, 11 das 27 obras em execução estariam disponíveis à população. Entre as construções que tiveram o prazo expirado está o viaduto do Despraiado, que interdita a avenida Miguel Sutil há mais de 1 ano e causa transtornos aos usuários e moradores do entorno.
Com prazo de 360 dias para ser executado, o viaduto do Despraiado teve várias datas de inauguração anunciadas, a
última para o dia 29 de agosto. De acordo com o contrato inicial, desde 27 de maio deste ano a construção deveria estar pronta e disponível à população.
Desde que a obra iniciou, o pernambucano aposentado Jová Francisco Bezerra, 75 anos, é um dos maiores fiscalizadores da construção. A poucos metros do canteiro, onde os trabalhadores constroem as calçadas do entorno do viaduto, Jová mora. Diariamente, o idoso vai até debaixo do viaduto erguido e observa o movimento. “Eles já deram uns 3 prazos para essa obra aqui. Todo dia eu venho. Aí vem chuva, feriado, fazem um pedaço e têm que parar. Falam em 10 de setembro, mas tem muita coisa para fazer. E dizem que essa é a obra mais adiantada”.
Com tanta interdição, desvio e poeira gerados dos canteiros de obra, o sentimento da população cuiabana tem sido questionar quando todas serão entregues. A Miguel Sutil é uma das avenidas mais utilizadas pelos motoristas e com outros pontos de bloqueio, a liberação de um ponto de desvio faria muita diferença.
As trincheiras Jurumirim/Trabalhadores e Mario Andreazza, também em construção nesta via, já deveriam estar concluídas. De acordo com o contrato nº 23/2012, a obra da Jurumirim/Trabalhadores deveria ter saído por completo do papel até 5 de abril de 2013, quando completaria 360 dias de prazo e da Mario Andreazza em 23 de julho. No entanto, as interdições para estes canteiros de obras continuam a provocar transtornos aos usuários. As intervenções no local provocaram falta de energia, água e levaram à saída de inquilinos de imóveis alugados.
Amilton Maria de Souza, 67 anos, é proprietário de uma casa à margem da avenida Miguel Sutil. Ele recebe auxílio saúde e depende do pagamento do aluguel para complementação de renda. Com as interferências na calçada, no poste, ele e vários donos de imóveis do Jardim Leblon foram prejudicados.
Amilton faz parte do grupo de moradores da região que ainda presenciou a avenida resumida à estrada de chão e
acompanhou a construção da Miguel Sutil. Ele lembra ainda que há 30 anos, quando foi morar no Jardim Leblon, tirava água do poço e tem um carinho pelo local. Tenta amenizar a situação atual, pontua com as expectativas de melhora no trânsito após a obra pronta. No entanto, está desanimado com o que vê. Ele mora em Santo Antônio do Leverger e faz o acompanhamento da obra quando visita o imóvel. “Faz 3 meses que eu passo, olho aí e tá (sic) a mesma coisa. Não tem justificativa. O que eu vejo é que eles não têm condições de entregar essa obra. Pelo que vejo não vão dar conta. É muito lento”.
O não cumprimento de prazos para entrega que tiveram o prazo de conclusão prorrogado por termos aditivos. Dois contratos nestas condições voltaram a expirar com o novo tempo previsto para a entrega. O exemplo é a construção, duplicação e reforço da ponte de concreto armado sobre o rio Pari, em Várzea Grande, que tinha prazo inicial de setembro de 2012 e depois foi prorrogada para fevereiro deste ano.
A dilatação dos prazos confirma o alerta dos relatórios do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE), que aponta atraso consolidado de um modo geral. As informações divulgadas pelo órgão são acompanhadas com preocupação pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Mato Grosso (Crea). O engenheiro civil e membro da entidade, Archimedes Pereira Lima Neto explica que os prazos de conclusão já preveem problemas na execução da obra, como de natureza climática e dificuldades a serem encontradas no terreno.
Neste caso, o Crea considera preocupante o atraso generalizado nos canteiros de obras. O número de aditivos, que chega a 8 no caso da Arena Pantanal, podem ser consequência de falhas no planejamento, execução e fiscalização do conjunto de obras.
Os problemas no desenvolvimento também são lembrados pela viga do viaduto da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) erguida em tamanho diferenciado das demais. Segundo Archimedes, situações como essa devem ser evitadas
com fiscalização, atividade que hoje é de competência da Secretaria Extraordinária Copa do Mundo Fifa 2014 (Secopa). Em algumas obras, empresas terceirizadas estão sendo responsáveis por este trabalho que visa assegurar o
cumprimento dos contratos com as empresas.
O membro do Crea-MT lembra que há 4 anos a entidade solicitou informações sobre os projetos executivos das
construções e se colocou à disposição para, em parceria, fiscalizar as obras. Mas, lamenta a falta de transparência em relação às ações. “Estamos fazendo acompanhamento baseado nos relatórios do TCE que apontam os atrasos nas obras. No caso do viaduto do Despraiado, a parte estrutural está pronta desde abril, mas ele não liga nada a lugar nenhum, porque os outros lotes de obras não estão prontos. Isso é ausência do planejamento sistêmico”, diz o engenheiro.
Archimedes avalia ausência de planejamento em relação ao cronograma de atividades da obra, que deveria ter frentes
paralelas de forma que garantisse a entrega no prazo previsto. As etapas de drenagem e pavimentação que estão sendo feitas no trecho da Miguel Sutil que compreende o entorno do viaduto do Despraiado no momento, segundo ele, poderiam ter iniciado há 6 ou 8 meses, de forma a proporcionar eficiência ao trabalho.
A prorrogação no prazo de conclusão de uma obra e o aumento do custo final dela são previstos na legislação
e necessários em vários momentos em obras de engenharia. O professor aposentado da UFMT, Eldemir Pereira de Oliveira diz que falhas no projeto, interferências climáticas que fogem à normalidade permitem que a empresa acorde aditivos com o contratante, no caso o governo estadual. Em obras públicas, o engenheiro civil, especialista em
transporte, diz ainda que problemas de natureza burocrática têm comprometido o andamento das obras. Atrasos em pagamentos, como ocorreu com empresas que realizaram distrato com a Secopa este ano, promovem outros entraves. “Obras públicas têm outras interfaces. As empresas reclamam da falta de pagamento e reduzem o ritmo. Apesar disso não justificar, porque elas têm capital de giro”.
Do outro lado, Eldemir avalia que a fiscalização fica comprometida. Pois, se apresentam problemas em pagamento
durante o processo, a própria contratante fica com o papel fiscalizatório comprometido. “Esses eventos ocorrem, mas é
normal até certo ponto. Ela (Secopa) poderia fazer isso, desde que cumprisse a parte dela, pois o contrato prevê multas”.
Nesta relação, o engenheiro explica que os aditivos encontram espaço para ser firmados e os prazos vão sendo
dilatados sem limites. Como morador da cidade, avalia que o rítmo está lento, mas acredita na finalização das construções.
É comum encontrar canteiros sem trabalhadores ou com pouco contingente. Na trincheira Jurumirim/Trabalhadores, o atraso da obra ficou ainda mais evidente no barracão ao lado na avenida Miguel Sutil. Os trabalhadores chegaram a parar.
Cerca de 20 serventes, carpinteiros e pedreiros afirmaram esperar a empresa demiti-los para que retornem à cidade de
origem, no Piauí, Maranhão e Pernambuco. O contingente está descontente com os salários, que variam entre R$ 890 e R$ 1.370. O encarregado administrativo da empresa responsável pela obra, Inácio Rodrigues, afirma enfrentar umasituação de pressão por parte do grupo de funcionários que se nega a trabalhar. Mesmo após um acordo firmado com a empresa que contemplou melhorar a condição da comida e garantir outros benefícios, isso está ocorrendo. “Eles querem obrigar a empresa a mandar embora para que eles recebam o benefício, mas a empresa não tem obrigação de demitir”.
Com este conflito, a empresa procura mão de obra de outras regiões. Inácio disse que se este com outros problemas não tivessem ocorrido, “teríamos terminado a parte de escavação e cortinas”. O representante afirma que o conflito com os funcionários ainda é o menor dos problemas. As dificuldades em adequar a rede de energia, esgoto, telefone e água no trajeto da obra ainda são os problemas que impedem o andamento da obra. Por isso, diz que o aditivo que prevê entrega para outubro não será cumprido e o prazo deverá ser prorrogado para dezembro. “Em um mês e pouco não termina nunca”.
Outro lado
Em nota, a Secopa disse que os atrasos nas obras de mobilidade urbana foram provocados por ajustes de
projetos, remoção de interferências e desapropriações. “Foram imprevistos passíveis de ocorrer no desenvolvimento das obras. Além disso, há a exigência da qualidade na obra contratada”.
A pasta afirma que o processo de fiscalização ocorre diariamente com o trabalho das empresas gerenciadoras e engenheiros fiscais da Secopa. “A fiscalização resultou inclusive na rescisão contratual com a empresa Ster Engenharia, responsável pela construção de 3 trincheiras na avenida Miguel Sutil – Santa Rosa, Verdão e Mário Andreazza”.
Segundo a Secopa, as empresas são notificadas pelas irregularidades, não só relacionadas a atrasos no prazo, mas também cumprimento com a qualidade, segurança do trabalho e sustentabilidade das obras.