Pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, reunidos hoje, na Universidade de São Paulo (USP), destacaram a importância das manifestações que ocorrem em todo o país para demonstrar o anseio de participação política da sociedade brasileira. Eles disseram, porém, que não sabem ao certo em que esse movimento pode resultar.
"Essas pessoas estão insatisfeitas pela forma como são representadas", afirmou o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política da USP, ao participar do debate O que está acontecendo?. Para ele, de alguma forma, o movimento é contra as instituições. "De tempos em tempos, a política precisa ser irrigada por uma injeção forte de vida, mesmo que essa vida não saiba como se expressa, mas para mostrar que política é um meio, e não um fim. Quando se fala em necessidade de participação política, não é aquela feita em moldes tradicionais", explicou.
O cientista político José Álvaro Moisés, responsável pelo Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, apontou como pano de fundo das mobilizações "um profundo mal-estar com a democracia existente no Brasil". Segundo Moisés, isso não nega a existência de um regime democrático, mas faz referência à qualidade da democracia brasileira. "Tivemos avanços extraordinários em termos de reconhecimento de direitos nas últimas décadas, mas, visivelmente, tem áreas em que ela [democracia] funciona mal, e provavelmente o maior déficit é o da representação."
O historiador em literatura brasileira Alfredo Bosi, professor aposentado da USP, também destacou a necessidade de repensar o modelo de participação política no país. Para ele, as manifestações expõe um problema vital, que é "como tornar viável uma democracia participativa, que me parece o ideal, e pela qual os grande problemas da cidade possam ser tratados com alguma racionalidade." declarou.
Já o sociólogo Bernardo Sorj, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembrou que houve nos últimos anos uma neutralização da participação política no país, sobretudo pela chegada ao poder do PT, que exercia um forte papel de mobilização. "Houve castração da vida política no Brasil pela capacidade de cooptar boa parte dos movimentos sociais, dos sindicatos, dos grêmios universitários, da sociedade civil. Portanto, nos surpreendemos porque nos acostumamos a uma postura apolítica", disse ele.
O papel das mobilizações como instrumento de rompimento do "tédio" foi apontado pela psicóloga Sylvia Dantas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Nós estávamos tomados por um estado de melancolia, de que as coisas estão tão complexas que não há como sair disso. Convivia-se com a ideia de que a nossa juventude estava alienada e todos estavam tomados pela passividade." Sylvia acredita que este é um momento de catarse: "as pessoas estão colocando para fora a vigência de uma dissonância cognitiva, que, na psicologia, é explicada como o fato de que a percepção da realidade não está de acordo com o que é dito".
A psicóloga ressaltou ainda que havia uma insatisfação encoberta por uma visão otimista do país. "O discurso é que somos a sétima economia do mundo, que a classe média está se expandindo, mas a realidade traz outros aspectos. O acesso à saúde e à educação é negado. A contradição que todos vivem no dia a dia está sendo trazida à tona", disse Sylvia.