Onze testemunhas de acusação e defesa foram ouvidas, ontem, durante audiência de instrução do processo que apura a morte do estudante africano Toni Bernardo da Silva, 27 anos. Entre os depoimentos prestados no Fórum Criminal de Cuiabá, as testemunhas relataram que os acusados, policiais militares Higor Marcell Montenegro, Wesley Fagundes Pereira e o instrutor de autoescola Sérgio Marcelo Silva da Costa cometeram vários excessos chegando a agredir o estudante quando ele já estava caído e imobilizado.
O trio, que responde a processo por lesão corporal seguida de morte, com agravantes, acompanhou os depoimentos e será ouvido provavelmente na próxima audiência, marcada para abril. Entre as pessoas ouvidas, clientes do estabelecimento onde o crime ocorreu, uma pizzaria no bairro Boa Esperança, em Cuiabá, proprietários do comércio, vizinhos da cena do crime, policiais militares e familiares dos acusados.
Uma das principais oitivas foi a do dono da pizzaria, José Dimas Mathar. À juíza Maria Rosi de Meira Borba, ele contou que não presenciou o início da confusão entre Toni, Sérgio e a noiva dele. "Estava atendendo outros clientes e fui alertado pela minha mulher. Quando cheguei no local já vi duas pessoas imobilizando Toni que se debatia muito".
O empresário afirmou que enquanto era seguro, o estudante se mostrava bastante agitado e que, por conta disso, os policiais o agrediam com socos. "Cheguei a pedir para eles pararem, disse a eles que passariam de vítimas a culpados. Para mim, a partir de um certo ponto, houve excesso, sim, as pessoas ficaram revoltadas". Mathar salientou que Sérgio se aproximou pelo menos duas vezes de Toni, chutando-lhe a cabeça. "Na última vez eu dei uma bronca nele e ele foi embora".
Funcionária do local, Rosângela Alves de Oliveira, que também não presenciou o início da confusão, destacou que a atitude dos 3 não era a de contenção, como sustentam as defesas dos acusados. "O que eles faziam não era imobilização, era agressão. Um com o pé no pescoço dele, dando tapas e xingando, outro com o pé na cintura e o terceiro chutando a cabeça". Neste momento do depoimento, Wesley riu.
Corroborando com o que disseram as testemunhas anteriores, a caixa da pizzaria, Eberly Alves, relatou os minutos de desespero presenciados por ela. ‘Eu falei para parar, pra chamar a polícia. Aí um dos rapazes gritou "Eu sou a polícia". Se a polícia faz isso, que mais podemos fazer?‘, disse durante o depoimento.
Vizinha do estabelecimento e uma das principais testemunhas do caso, a professora Janaína Pereira Monteiro reafirmou o que havia dito à Polícia Civil e, novamente, narrou as cenas de terror vistos por ela. "Foram muitos socos na cabeça, no rosto e no pescoço. Ele já estava imobilizado, não havia a necessidade de continuarem batendo". Taxativa, ela relatou que os policiais militares continuaram as agressões mesmo com Toni já desfalecido. Segundo a professora, um dos PMs dizia aos gritos: "Você sabe por que está apanhando? Porque você é bandido". Monteiro ressaltou que com a chegada de uma viatura, acionada por funcionários da pizzaria, é que a situação foi controlada.
Policial militar que atendeu a ocorrência, José Márcio Mendes Corrêa contou que ao avistar Toni chegou a colocar a algema em um dos braços do acusado. "Quando ia colocar no outro vi que ele não estava bem". Afirmou que quando chegou ao local, o clima era de revolta contra Toni, mas mudou completamente após a constatação do óbito. Após saber que 2 dos acusados eram da PM e que o terceiro havia deixado o local, ele decidiu realizar buscas na região, encontrando Sérgio nas proximidades da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Durante as cerca de 5 horas de audiência, os policiais conversavam entre si, mas não com o instrutor de autoescola. Eles se mostravam à vontade, conversando com assistentes da defesa, mexendo nos celulares e comentando respostas dadas por testemunhas. Já Sérgio aparentava nervosismo e ansiedade. Os 3 evitaram a imprensa e saíram pelos fundos da sala de audiência.
Defesa – Para as defesas dos acusados, a culpa em toda esta situação é de Toni. As teses aplicadas no caso, estrito cumprimento do dever por parte dos policiais, como prega o advogado Ardonil Manoel Gonzales Júnior, e legítima defesa, destacada pelo defensor do instrutor, Namir Luiz Breener, evidenciam isso. A postura foi questionada, durante a audiência, pelo promotor de Justiça que acompanha o caso, Jorge Lana. "Ele morreu de pancada e alguém deu essa pancada nele".
Além de policiais, usados pela defesa dos PMs para atestarem os bons antecedentes dos acusados, Ivo Corrêa Alves chegou a ser ouvido. Ele contou à juíza ter ouvido Toni pedir dinheiro a um casal em uma mesa próxima, ter visto o estudante conversando com outro frequentador e, em seguida, chegado na mesa em que Sérgio estava com a noiva. "Ele tentou dar uma ‘gravata" nela e achei que ia matá-la se eles não fossem para cima de Toni".
Questionado por Lana segundos depois de dizer que não havia visto nada além da imobilização, ele voltou atrás e confirmou que Sérgio deu 2 chutes. "Na hora que começou a confusão saí para buscar meu filho e quando voltei o Toni já estava deitado no chão, com o Sérgio chutando".
Já a esposa de Montenegro disse que a ação foi muito rápida e começou poucos minutos depois dela, do policial e do filho do casal terem chegado à lanchonete. "Os meninos não tinham o que fazer, ou seguravam ele ou impediam as pessoas de baterem".
O caso – Toni Bernardo da Silva morreu no dia 22 de setembro de 2011 após ser espancado por cerca de 15 minutos pelos 3 acusados. Ele teria entrado na pizzaria em busca de dinheiro, por ser dependente químico, e iniciado uma confusão envolvendo Sérgio e a noiva dele.
Em investigação conduzida pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), os 3 foram indiciados por homicídio doloso, mas denunciados pela promotora Fânia Amorim pelo crime de lesão corporal seguida de morte e, por conta disso, não deverão enfrentar júri popular além de, se condenados, receberem punições mais brandas, entre 4 e 12 anos de prisão.
Quando foi morto, Toni estava prestes a ser pai. Ele estava no Brasil desde 2006 graças a um acordo de intercâmbio com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) onde chegou a cursar Economia. No entanto, seu envolvimento com drogas o fez reprovar em um dos semestres e ser desligado da instituição. Dois meses antes do crime, quando foi detido pela Polícia Militar, o africano foi notificado pela Polícia Federal, que recebeu comunicado da UFMT, para deixar o país em 8 dias, mas não foi mais localizado.