Mato Grosso tem 93 áreas indígenas, contudo 52 estão regularizadas e outras 41 ainda aguardam demarcação pelo governo federal. O processo legal para a regularização de uma terra indígena passa por cinco passos. Conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 10 territórios foram reivindicados pelos índios, 12 ainda estão sem qualquer tipo de providência, 7 áreas foram declaradas como indígenas e 12 foram identificadas.
‘O primeiro passo é a identificação do território pelo grupo de trabalho composto por antropólogos, índios e agrimensores. O segundo passo é declarar via poder executivo por meio de uma portaria da Funai (Fundação Nacional do Índio) e pelo ministro da Justiça. Depois passa pela demarcação oficial, aí vem a homologação por decreto e por último o registro no Departamento do Patrimônio da União (DPU) e na comarca onde está localizada a terra indígena’, explicou o conselheiro do Cimi em Mato Grosso, Mário Bordignon.
Uma das situações mais críticas pela demora no processo de demarcação da área indígena é vivida pelos índios chiquitanos na fronteira mato-grossense entre o Brasil e a Bolívia. ‘Cerca de 2,5 mil indígenas sofrem com a perseguição e não podem se defender porque não têm a sua área demarcada. São três territórios e apenas uma está identificada, tem fazendeiros dentro e eles estão retirando madeira de lei de dentro da área. Os índios vêm denunciando a situação, pois quando sair a demarcação eles vão receber a área toda degradada’, argumentou.
As reservas indígenas ainda em processo de demarcação englobam os municípios de Porto Esperidião e Vila Bela da Santíssima Trindade. São elas: Portal do Encantado (já declarada), Vila Nova-Barbecho e Aparecida. ‘Esses índios estão sendo escorraçados e estão vivendo na periferia de Vila Bela’, denunciou Bordignon.
Contudo, a demarcação e a regularização de 52 territórios indígenas não significa que a situação esteja tranquila nesses locais. Os indígenas de Mato Grosso são pressionados pelas construções de usinas hidrelétricas e pela expansão da área agrícola na região do Araguaia.
Os índios no Pontal do Teles Pires são pressionados com as usinas de São Manoel e São Luiz nos rios Teles Pires e Tapajós. As etnias kayabi (MT) e munduruku (PA) terão aldeias afetadas. ‘No rio Juruena duas usinas foram construídas e ainda há mais 6 que podem entrar em operação e podem levar mais prejuízo aos índios enawene- nawê, myky e rikbaktsa. Outra usina no rio Juína prejudica o cotidiano dos índios nambiquaras’.
Agora teme-se que o uso de hidrovias como modal de transporte alternativo às rodovias e ferrovias possa causar impacto aos silvícolas. O conselheiro do Cimi em Mato Grosso chama a atenção não sobre como esse processo pode interferir na vida dos índios bororo e guató, entre outros povos, mas também do ciclo de enchente vazante do ecossistema.
Nas aldeias demarcadas próximas às regiões produtivas há casos de aviões agrícolas jogando agrotóxicos nas lavouras, mas afetando as aldeias indígenas. Ano passado um caso desse foi registrado na aldeia Marechal Rondon do povo xavante, no município de Paranatinga.
Índios da aldeia Volta Grande, em Santo Antônio do Leste e Ponta do Xingu, em Querência também estão sob risco. ‘Já teve caso que o desmatamento alcançou o limite da aldeia, jogando agrotóxico no rio, próximo da aldeia. O agronegócio está de olho nas terras dos índios, dos quilombolas e dos assentados. Veja aí a operação Terra Prometida. Essas pessoas tem coragem de ameaçar até delegado federal’.
A reportagem entrou em contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai) em Brasília questionando os processos de demarcação em andamento, contudo, nenhum funcionário do órgão respondeu ao email com as perguntas sobre as pendências em Mato Grosso.
PEC 215 – A demarcação das áreas indígenas em Mato Grosso pode ser ainda mais demorada ou mesmo engavetada com a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 215. A proposta transfere do Poder Executivo ao Congresso Nacional a decisão final sobre demarcação de terras indígenas. A proposta é de que a PEC 215 regulamente o artigo 231 da Constituição que garante aos índios “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
O projeto transfere, ainda, do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de aprovar a oficialização também de Unidades de Conservação e territórios quilombolas, além de adotar a data de promulgação da Constituição Federal, em 1988, como “marco temporal” para comprovar a posse indígena. As comunidades teriam direito à terra apenas se puder demonstrar que ocupavam o território nessa data.