Diante da insuficiência de vagas nas creches municipais de Cuiabá, pais e mães começam a formar fila na porta das unidades estudantis cinco dias antes da data marcada para começar as matrículas. Com auxílio de estruturas precárias, como barracas, cadeiras e colchões, as famílias dormem nas filas e garantem que não saem até a efetivação da matrícula dos filhos, que começa na segunda-feira (14).
As histórias se repetem: as mães precisam de um local seguro para deixar os filhos, enquanto trabalham para ajudar no sustento da casa.
Atualmente, a principal deficiência de vagas é para atendimento destinado a crianças de zero a três anos e 11 meses. Por isso, a servidora pública Rosemara Ferreira Campos, 42, chegou às 3h de ontem na Creche Municipal Vilmon Ferreira de Souza, no bairro Três Barras. Ela tenta garantir uma vaga para o neto, de um ano, e tem esperança. Com a guarda provisória do menino, a mulher frisa que a matrícula vai oportunizar que ela trabalhe com tranquilidade e diz que só sai da porta da creche na segunda-feira. Por enquanto, vai dormir na fila. “Conseguir essa vaga representa o nosso sustento. Eu não tenho como trabalhar e deixar ele sozinho e não tenho condições de pagar algo particular, ou alguém para cuidar”.
Desempregada, Silene Santos, 28, divide espaço com Rosemara. Ela tenta uma vaga para o filho de um ano e quatro meses. Veio de Jaciara (144 km ao sul de Cuiabá) e vive sozinha em Cuiabá com duas crianças. A maior tem sete anos.
Silene relata que precisa matricular o caçula para conseguir emprego e melhorar a qualidade de vida dela e das crianças. Atualmente, tem como renda a pensão paga pelo ex-marido e o Bolsa Família, porém os recursos são insuficientes. “O dinheiro é somente para comprar comida. Não consigo comprar uma cueca para o menino”.
Diante de toda essa necessidade e medo de perder o lugar na fila, a mulher sai somente para almoçar e levou um colchão para passar a noite, junto com o pequeno Samuel, que dorme no carrinho de bebê. “Sou a terceira da fila. Eu não saio daqui de jeito nenhum, não vou correr o risco de perder a vaga do meu filho”.
Mãe de três filhas, Zelma Barbosa da Silva, 32, luta por uma oportunidade de ensino para Vivian, que completa dois anos em janeiro. Ela relata que pela regulamentação, a menina deve ser matriculada no maternal, que dispõe de apenas quatro vagas na creche do Três Barras, por isso quer que a filha seja inserida na série Jardim. “Vou tentar de todas as formas. Ainda é uma incerteza para mim, mas não vou desistir”.
A situação vivenciada pelas mães todos os anos para tentar matricular os filhos é vista por Jéssica Cristina Souza, 23, como absurda. Para ela, o município deveria garantir vaga para todas as crianças, uma vez que educação é direito de todos. “É desumano com as famílias ter que dormir vários dias na rua para conseguir creche”.
Jéssica tem dois filhos e tenta encaixar Livia, de três meses, no berçário. “Eu não posso ir embora, vou revezar com meu marido, porque não quero dormir com a bebê fora de casa”.
Ela é operadora de máquinas e está de licença maternidade. Por isso, a preocupação com a matrícula da filha. Pontua que precisa trabalhar para ajudar em casa e o salário que ganha não é suficiente para pagar uma creche particular, ou alguém para cuidar do bebê.
E a história não é novidade para Jéssica, que já teve dificuldades, em outra época, para incluir o filho Pedro Henrique, 5, na creche. “Tive que acionar o Conselho Tutelar para conseguir a vaga dele”.
Na região Sul de Cuiabá, no bairro Jardim Liberdade, o cenário é semelhante. Mães e crianças se aglomeram na porta da Creche Municipal Leonel de Moura Brizola. Algumas barracas foram montadas para protegê-las da chuva. Uma tenda do outro lado da rua é usada com a mesma finalidade.
A adolescente Eliane da Silva, 14, está entre as mães que chegaram na quarta-feira (9). Como não tem com quem deixar a menina Livian Natyelle, de oito meses, levou a menina junto, mesmo sem ter como proteger a criança da chuva.
Eliane conta que parou de estudar para poder cuidar da filha. Chegou a frequentar as aulas até metade do ano, mas estava muito difícil continuar indo, sem a segurança de que a filha estava bem. “Quero conseguir uma vaga para ela, para eu também poder estudar”.
Na porta da escola os pais relatavam a incerteza quanto as chances de conseguir efetuar a matrícula dos filhos, uma vez que o número de vagas ainda não havia sido divulgado.
A bebê Ana Bela, dois meses, também teve que enfrentar a chuva junto com a mãe Célia de França, 29. Elas estão desde às 19h de quarta-feira na porta da creche. “Eu preciso matricular ela para trabalhar com tranquilidade”.
Além de Ana Bela, Célia tem outros três filhos e trabalha como serviços gerais. Por enquanto, está de licença maternidade e adianta que recorrerá ao Conselho Tutelar caso a unidade escolar não garanta uma vaga à filha.
Cleidiane Almeida Machado, 21, levou os dois filhos pequenos para a fila por não ter com quem deixá-los. Rian, 2, e Ruan, de dois meses, estão com tosse e precisavam ir ao médico, mas a mãe teve que escolher e preferiu ir para a porta da escola. Ela ocupava uma barraca cedida por uma das mães que viu a situação das crianças, quando começou a chuva.
Outro lado
Secretária-adjunta de Educação de Cuiabá, Marioneide Kliemaschewsk afirma que as filas formadas na frente das creches são por decisão das famílias e não uma exigência da gestão, que determinou a entrega das senhas a partir das 6h de segunda-feira (14).
Ela destaca que atualmente a Prefeitura de Cuiabá disponibiliza 27.857 vagas para crianças de zero a três anos e 11 meses, o que representa atender 35% deste público na Capital. Outras 16.224 vagas são destinadas para crianças de quatro a cinco anos e 11 meses, o equivalente a 93,35% dessa faixa-etária. O Plano Municipal de Educação prevê a universalização das matrículas para crianças de quatro e cinco anos ainda em 2016. Porém, as que têm idade inferior não há previsão nacional de atendimento 100%.
O Plano Nacional de Educação estima atender 50% dessa demanda até 2024, enquanto o município espera atender a meta um ano antes.