Como produzir em larga escala sem o uso de agrotóxicos? Existem outros caminhos? Quais? Os defensivos agrícolas realmente são o grande vilão da lavoura? Quais os males que eles causam para a saúde, tanto dos agricultores, quanto da população que consome os alimentos? E o meio ambiente, como fica? Qual é a alternativa?
Para tentar responder a estas e outras questões o Comitê Multi-Institucional do Sistema Judicial do Estado de Mato Grosso realizou, esta manhã, uma audiência pública no município. O evento contou com a participação de representantes do Judiciário, Ministério Público do Trabalho, organizações não-governamentais, sindicatos, além de produtores rurais, pesquisadores de universidades, médicos, engenheiros agrônomos, médicos veterinários, advogados, além da sociedade civil organizada.
O auditório da sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Sorriso, onde ocorreu a audiência, ficou pequeno para tanta gente interessada no assunto. “Avalio que uma audiência como esta é de fundamental importância, porque traz conhecimento e lucidez sobre uma matéria de alta complexidade, como é o uso de agrotóxicos nas lavouras. Um assunto como este não dá para ser analisado com empirismo. É preciso vontade de todos, incluindo dos atores judiciais, de conhecer a fundo a questão. Precisamos entender melhor essa temática, pois ela vai impactar na vida de todos nós”, destaca o desembargador Márcio Vidal, que esteve à frente da organização do evento.
Para o procurador do Trabalho em Mato Grosso, Leomar Daroncho, o uso de agrotóxico nas lavouras precisa ser amplamente discutido. “Sabemos que existe um problema e não podemos jogar esse problema para debaixo do tapete. É preciso trazer ele às claras, como estamos fazendo aqui hoje nesta audiência. O uso de defensivos agrícolas não é um problema que só diz respeito ao agricultor, ele é resultado da clara omissão estatal diante de um tema polêmico e complexo”.
Ele afirma que iniciativa do Judiciário em discutir essa questão é louvável. “Não podemos fugir da responsabilidade. Um dos caminhos que eu vejo é que é preciso levar informação e educação a quem está no campo. Hoje o analfabetismo rural no Brasil chega a 80%, isso é assustador. O que adianta ter informação na bula de um defensivo agrícola se quem está manuseando não sabe nem ler? Ou seja, o problema é muito mais amplo do que se imagina. Temos um cenário bastante preocupante”.
O procurador defende o aumento da fiscalização no campo e o investimento em pesquisas, a fim de buscar alternativas menos agressivas de produção. “Não estou dizendo que temos que deixar de produzir, não é isso. Temos que produzir com menos agressão. Tem que ter modelos de cultivar em larga escala que tragam menos prejuízos a nós, seres humanos, e ao meio ambiente”.
O engenheiro agrônomo Helton Vitali, que é agricultor e no evento representou a classe produtora de Sorriso, avalia o evento como de extrema importância para os agricultores. “Nós temos o agrotóxico como uma ferramenta técnica de serviço. Existem muitos paradigmas a se vencer. É uma tecnologia, é útil e nós usamos, procurando seguir todas as regras e o que é estabelecido pela legislação. Por outro lado, nós não temos outra opção de produzir em larga escala sem o uso de defensivos. É claro que temos interesse em discutir o assunto, aliás, somos os mais interessados, porque lá na lavoura está nosso negócio, nossa família, nossos colaboradores. Não queremos prejudicá-los e ninguém que consome o que produzimos. Eu, como produtor, quero preservar tudo isso”, defende.
O advogado Waldir Caldas, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Comitê, destaca que a finalidade da audiência é conhecer melhor e mais a fundo o segmento e todos os atores nele envolvidos.
“Algumas questões são controversas. Somos o maior produtor de grãos do país, isso é uma situação irreversível. O agronegócio é a âncora da balança comercial brasileira. Não tem como retroceder na produção, ao contrário, temos que estimular práticas para aumentar a produtividade, que é assegurada em larga escala com o uso de agrotóxicos. A preocupação é conhecer melhor se este uso é indiscriminado ou não, se está dentro da recomendação exigida ou não, e se é adequada. Nosso objetivo é ouvir, conhecer melhor e a partir daí, se for o caso, encaminharmos propostas para quem é de direito”.
A pedido da juíza federal da Segunda Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso, Vanessa Curti Perenha Gasques, foi incluso na audiência a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), em face da União e do Estado, sobre o uso do defensivo agrícola que contém o princípio ativo denominado “benzoato de emamectina”. A ação está tramitando na Justiça Federal de Cuiabá.
“É um tema de muita importância, porque trata da saúde coletiva. A sociedade precisa discutir essa questão. Hoje nós temos ações ajuizadas que visam à proibição de determinado agrotóxico. A gente precisa ter conhecimento sobre o assunto, sobre essa temática tão específica. Essa oportunidade é de debater e trazer conhecimentos para as pessoas que atuam neste segmento, incluindo a área jurídica”.
Ao final do evento, assim como ocorreu na audiência pública para tratar do mesmo assunto, realizada no município de Campo Verde, foi feita uma ata com tudo o que foi discutido e proposto durante o encontro. A próxima audiência acontecerá em Sapezal. Ao final dos encontros será realizado um relatório a ser encaminhado para as autoridades competentes.