Diferentemente do que era praticado nos últimos anos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu desobrigar as concessionárias de entregar o relatório que tinha o cálculo da tarifa nas regiões atendidas por elas. O reajuste no Estado, que passará a ser aplicado no dia 8 de abril, considerará as contas feitas pelo órgão regulador.
Além disso, mesmo que o pleito seja enviado pela Energisa Mato Grosso (como de fato aconteceu), o documento não será divulgado. Ou seja, a imprensa e a população em geral não terão mais acesso ao cálculo de reajuste realizado pela distribuidora de energia.
“A Aneel, sendo um órgão público federal, tem dever de transparência. Quando omite dados e procedimentos de alguma forma está descumprindo a legislação. O assunto não é de interesse só da agência. Interessa todos os consumidores brasileiros. Pelos princípios constitucionais da administração pública: moralidade, eficiência e publicidade de atos de interesse publico; ela já é obrigada a ser o mais transparente possível”, ressalta a superintendente do Procon Estadual, Gisela Simona Viana.
Para ela, em uma situação como essa, o consumidor pode ser lesado duas vezes com a falta de divulgação das informações antes da decisão e com a não obrigatoriedade de envio do relatório da distribuidora para a Aneel. “Tem os 2 lados: se a empresa entende que o valor é 2X, a Aneel pode entender que é 3X. Se ela simplesmente não precisa enviar, pode dar mais do que a empresa precisa e o consumidor pode ser duplamente sacrificado”, avalia a superintendente.
As novas regras para os procedimentos gerais que definem a ordem e as condições para realização do processo de Reajuste Tarifário Anual das concessionárias e permissionárias de energia foram aprovadas pela diretoria da Aneel no último dia 17. Conforme a Agência, o assunto ficou em audiência pública entre 23 de outubro e 21 de novembro de 2014 e recebeu contribuições de 12 instituições e de 1 consumidor.
“É um direito do consumidor, mas, infelizmente, esse não foi o entendimento da diretoria da Aneel. Não acredito que dê para reverter. Foi gerada uma norma”, lamenta o presidente do Conselho dos Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso (Concel/MT), Marco Antonio Guimarães Jouan, destacando que os conselhos de todo o país foram contra as novas regras, que eram ainda mais restritas. Jouan conta que, num texto anterior, o Concel não receberia as planilhas consolidadas com os cálculos que definem o reajuste e que, posteriormente, seriam apreciados na reunião da diretoria no dia 7 de abril.
Depois de muita discussão ficou estabelecido que os conselhos e as distribuidoras teriam acesso ao documento 12 dias antes da definição do reajuste. O fato é que o prazo, segundo o presidente, expirou e o relatório não tinha sido entregue ao Concel até a tarde de sexta-feira (27). Membros do conselho em Mato Grosso se reúnem amanhã (30) para discutir o conteúdo do comunicado.
Procurada pela reportagem para comentar o assunto, a Energisa Mato Grosso se limitou a informar que a legislação (Lei 9.427/1996) assegura à concessionária o direito de enviar a proposta de reajuste tarifário anual. “Recentemente, a Aneel apenas facultou, mas não restringiu, o envio desse cálculo tarifário prévio por parte da distribuidora. Após a deliberação do processo de reajuste tarifário, a Aneel disponibiliza em seu site a memória de cálculo e uma nota técnica, com todas as informações referentes ao processo”. Conforme a Energisa MT, o reajuste tarifário é realizado anualmente, observando as cláusulas do contrato de concessão e os regulamentos estabelecidos pela Aneel.
Governo federal – Em nota, a Aneel confirmou que “mudou os procedimentos e a partir de agora não é mais obrigatório o envio do pleito da empresa para a Aneel. Isso vale para todas as distribuidoras do país. Dessa forma, essa informação não será mais repassada pela Agência”. Ainda segundo o documento, as áreas de concessão são bastante diferentes e a agência reguladora considera a variação de custos que a empresa teve no ano.
Conforme a Aneel, o cálculo inclui custos típicos da atividade de distribuição, sobre os quais incidem o IGP-M, e outros custos que não acompanham necessariamente o índice inflacionário, como energia comprada, encargos de transmissão e encargos setoriais.
Sem falar em números, a Aneel confirmou também que a compra de energia tem impactado nos reajustes, ou seja, esse será um item que pesará na tarifa do mato-grossense a partir de 8 de abril. “A condição hidrológica está ruim e as distribuidoras precisam comprar energia das usinas termelétricas que são mais caras. Elas compram energia mais cara para distribuir ao consumidor final e isso é repassado na tarifa”, diz um dos trechos do documento.
Já em uma outra nota, publicada em seu site, o órgão argumenta que não exigir a apresentação do pedido da distribuidora para fins de realização do cálculo tarifário e facultar essa medida, “não indica falta de transparência, já que após a deliberação do processo de reajuste tarifário serão publicadas na internet a Memória de Cálculo e a Nota Técnica com todas as informações referentes ao processo de reajuste tarifário”. A nota só não deixa claro se as informações da concessionária também serão disponibilizadas ou somente aquelas elaboradas pela Agência.
Reajuste extraordinário – Ex-diretor-presidente da Empresa Pantanal Energia (EPE), empresa que administrava a Termelétrica de Cuiabá, o deputado federal Fábio Garcia (PSB-MT) quer que a União reveja o aumento extraordinário na conta de energia aplicado pela Aneel no fim de fevereiro. No caso da Energisa Mato Grosso, o efeito médio para o consumidor de baixa tensão (residencial) foi de 26,8%, valendo a partir de 2 de março de 2015.
Para média e alta tensão (empresas), o reajuste foi de 31,63%. Para cancelar esses aumentos, o parlamentar mato-grossense apresentou na Câmara dos Deputados o projeto de Lei 832/2015. “O aumento é uma medida que dói no bolso de cada brasileiro, que pressiona a inflação, que reduz a competitividade do Brasil, que impacta o nosso desenvolvimento e afeta a geração de emprego e renda deste país”, pontuou o deputado.
Garcia explica que o aumento só ocorreu porque o governo federal aumentou as despesas do fundo setorial (Conta de Desenvolvimento Energético – CDE) e este ano deixou de aportar recursos para pagar tais despesas, repassando os custos aos consumidores. Em razão disso, o parlamentar propõe no projeto que o governo volte a fazer o aporte, com recursos do Tesouro Nacional, para pagar as despesas da CDE.
Além disso, acabe também com a distorção existente no rateio das despesas da CDE, entre os consumidores das várias regiões do país. “Por conta dessa distorção, o mato-grossense, por exemplo, paga uma conta de energia 4,5 vezes maior que contribuintes de outros estados. Não é justo o mato-grossense de classe baixa ou média-baixa subsidiar esta conta para um consumidor de classe alta de outra região”.