A unidade da JBS de Araputanga, que emprega 1.078 trabalhadores, terá que suspender a realização de horas extras em ambientes considerados insalubres. A proibição é resultado de liminar obtida pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT). Os setores afetados são os de abate e desossa, onde a prática é habitual – funcionários realizam, em média, mais de 40 horas extraordinárias por mês.
A multa fixada pelo juiz do Trabalho da Vara de Mirassol D’Oeste, André Araújo Molina, em caso de descumprimento da decisão é de R$ 50 mil por dia. O frigorífico terá ainda dez dias para se adequar ao novo cenário. De acordo com o Molina, o prazo leva em consideração o tempo necessário para a direção reorganizar a linha de produção da planta.
Além da proibição das horas extras em ambientes insalubres, o MPT busca a condenação da empresa por danos morais coletivos no valor de R$ 10 milhões. De acordo com o procurador do Trabalho Leomar Daroncho, o valor equivale a menos do que 0,001% da receita líquida anual do grupo JBS em 2011. Já no ano passado, a companhia teve lucro líquido recorde no terceiro trimestre: R$ 1,1 bilhão. O valor é cinco vezes maior que o registrado no mesmo período em 2013.
Para justificar a quantia, o procurador cita, ainda, exemplos que demonstram a boa condição financeira da JBS, como as notícias sobre as doações milionárias feitas à campanha eleitoral de 2014, quando teria distribuído mais de R$ 366 milhões a partidos e candidatos.
A ação civil pública movida pelo MPT tem caráter preventivo e se baseia em outra decisão judicial que reconheceu, em outubro do ano passado, após diversas perícias, inclusive judiciais, a condição insalubre nos setores de abate e desossa dos frigoríficos da empresa em Araputanga, São José dos Quatro Marcos e Pontes e Lacerda, que, juntos, empregam mais de 2,8 mil pessoas.
Com a sentença, as unidades foram obrigadas a pagar adicional de insalubridade em graus médio e máximo aos que trabalham ou trabalharam nesses locais a partir de 2012. Nos setores de desossa, em razão do agente frio. Nos setores de abate, pelo agente biológico, já que os funcionários estão em permanente contato com glândulas, vísceras, sangue e dejetos de animais portadores de doenças infectocontagiosas, transmitidas direta ou indiretamente e até pelo ar.
Alegou o MPT que, uma vez reconhecida a presença do agente insalubre, a JBS não poderia mais exigir dos trabalhadores a realização de horas extras, já que, nessa condição, elas são consideradas inconstitucionais e ilegais devido aos enormes prejuízos sociais e à saúde humana.
O Serviço de Inspeção Federal (S.I.F) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil (Mapa), que avalia a qualidade na produção de alimentos de origem animal, informou que em Araputanga foram abatidos, em 2012, 49 animais com suspeita de tuberculose, sendo que dois testaram positivo para a doença. Em 2013, de 30 animais com suspeita, houve confirmação de três casos.
De acordo com os peritos, as suspeitas são, em sua grande maioria, detectadas na linha do abate, após a retirada do couro. Nesse momento, cerca de 15 a 30 trabalhadores já tiveram contato com o animal. Quanto maior o tempo para detectar o problema, maior o número de pessoas expostas diretamente.
Além disso, salienta Daroncho, os próprios fiscais que auxiliam o S.I.F. e exercem suas funções dentro do abate recebem o adicional de insalubridade em grau máximo por exposição ao agente biológico. “Ou seja, não há razão para não considerar insalubre a atividade daquele que labora no mesmo ambiente, em contato direto com o sangue, couro, pelo e vísceras do animal batido… Em contato ainda mais direto que o trabalhador auxiliar do S.I.F”.
Igual decisão foi obtida pelo MPT no início de fevereiro em ação contra a JBS de São José dos Quatro Marcos. O procurador Leomar, que também realizou inspeções, lembra que a situação encontrada é semelhante em todas as unidades, tanto no que diz respeito às condições de trabalho quanto ao sistema de distribuição das jornadas de trabalho, sempre com muitas horas extraordinárias.
Ele chama atenção, ainda, para o fato das estatísticas demonstrarem que a fadiga é um dos principais responsáveis por acidentes de trabalho no Brasil e que a empresa, ao exigir tantas horas extras, contribui enormemente para esse quadro, prejudicando os funcionários e expondo-os a riscos maiores. Sem contar que as atividades repetitivas de corte demandam, em média, de 40 a 60 movimentos por minuto, tarefa caracterizada como extremamente extenuante. “A ação foi a medida mais apropriada que encontramos de salvaguardar a saúde dos trabalhadores, de forma a amenizar as condições agressivas do setor trabalho que lidera o número de acidentes e de demandas trabalhistas em Mato Grosso”, frisa.
Sobre a limitação legal e constitucional das jornadas de trabalho, Daroncho explica que elas refletem as cargas horárias comprovadamente reconhecidas como máximas para não haver danos à saúde e à vida social dos trabalhadores. “Não são números aleatórios, mas sim decorrentes de observações sobre a saúde do trabalhador e acabam por proteger também a integridade das bases de nossa sociedade – as relações familiares e sociais – objetos que merecem resguardo pela atuação do MPT”.