A tenente do Corpo de Bombeiros, Izadora Ledur de Souza Dechamps é indiciada por crime de tortura contra o
aluno Rodrigo Patrício Lima Claro, 21, que morreu no dia 15 de novembro de 2016, em decorrência de hemorragia
cerebral. O inquérito policial presidido pela delegada Juliana Chiquito Palhares, da Delegacia de Homicídio e Proteção à
Pessoa (DHPP), foi finalizado nesta segunda-feira (20) e será entregue hoje na 7ª Vara Criminal da Capital. O documento
foi obtido com exclusividade pela reportagem do Jornal A Gazeta. Investigação da Polícia Civil resultou no inquérito que possui cerca de 500 páginas, contendo mais de 50 interrogatórios de alunos, instrutores, médicos e profissionais de saúde que tiveram contato com Rodrigo Claro durante o curso de formação. O inquérito não atribuiu à tenente Ledur responsabilidade pela morte de Claro, apesar da hemorragia ter ocorrido poucas horas depois do aluno deixar o treinamento em água, na Lagoa Trevisan, realizado sob o comando da tenente. Mas aponta ela como autora de atos de
tortura ao impor ao aluno Rodrigo Claro, que estava sob sua autoridade, “intenso sofrimento físico e mental, mediante
violência e grave ameaça, caracterizado pelos sucessivos ‘caldos’ e posturas coercitivas, como forma de lhe castigar
pelo péssimo desempenho e pelo fato de ter apresentado atestados médicos em sua disciplina”.
O inquérito foi instaurado a partir da morte do jovem, depois que a mãe de Rodrigo, Jane Patrícia Lima Claro, 38,
registrou queixa e pediu investigação sobre a morte precoce do jovem, ocorrida cinco dias após ser submetido a sessões
de afogamento, durante a travessia na lagoa. Em depoimento, a tenente negou os “caldos”, dizendo que apenas utilizou a
técnica de “nado resistido”. Mas depoimentos de alunos e instrutores desmentiram a tenente.
Ledur é apontada como uma oficial que ridiculariza e humilha seus alunos, usando palavras de baixo calão, causando constrangimento para o grupo. O comportamento dela sempre foi diferente do adotado pelos comandantes dos dois outros pelotões, que auxiliavam e apoiavam os alunos. Ledur os abandonava nas dificuldades. “A tenente Ledur se impunha pelo autoritarismo e não pelo respeito”, resume um dos alunos. Comandante do 1º Batalhão,
tenente-coronel BM Marcelo Augusto Reveles, confirmou que no dia dos fatos, na Lagoa, presenciou Ledur batendo em
uma das alunas com uma prancha, para que ela melhorasse a postura. Alunos relataram ainda que eram agredidos nas
nádegas pela tenente que usava para isso suas nadadeiras. Era comum a tenente solicitar balas aos alunos antes dos treinamentos em água, alegando que não daria “caldos” aos alunos estando com bafo, pois não havia almoçado. A tenente é acusada ainda de ter a mesma postura em treinamentos realizados com os alunos no parque aquático da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde os alvos eram alunos que possuíam mais dificuldade nas atividades
aquáticas.
Em relatos, alunos detalham a agonia de Rodrigo, durante a travessia de cerca de 250 metros, no dia 10 de novembro. Por várias vezes foi afundado pelos ombros, segurando por Ledur pela cintura e submetido a diversas sessões de afogamento, onde engoliu muita água. Como resultado, pediu desesperadamente para desistir dos outros 250 metros de retorno da prova. Reclamava de fortes dores de cabeça e passou a vomitar. Chegou a ficar deitado na grama, em posição fetal, para tentar se recuperar enquanto que o restante da turma continuava o treinamento. Sem condições de continuar, foi dispensado pela tenente e voltou sozinho, pilotando sua moto por mais de 20 quilômetros até o Comando do 1º
Batalhão. De lá foi encaminhado para a Policlínica do Verdão onde passou a convulsionar.
Perdeu a consciência e foi transferido para hospital privado. Passou por cirurgia de emergência e morreu em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), cinco dias depois. Mesmo antes da morte, Jane Claro já havia recebido dos amigos de Rodrigo
informações suficientes que indicavam que o filho havia sido torturado durante o treinamento. O próprio aluno já tinha
confidenciado a mãe que temia pelo treinamento pois a tenente já o vinha perseguindo. Em outras provas aquáticas
ele já teria sido submetido aos “caldos”. Jane garante que apesar de não ter entendimento de leis, tinha convicção de
que Rodrigo foi torturado pela tenente e que o sofrimento causado por ela, teve como consequência a morte do filho.
Na finalização do inquérito civil, a delegada reafirma que a postura adotada pela oficial durante instrução, especialmente a direcionada à vítima Rodrigo, é totalmente incompatível a que se espera de um instrutor. “A Tenente BM Ledur, em que pese toda a sua excelente ficha funcional apresentada, com diversas anotações de elogios, teve conduta reprovável e que causa repugnância. Rodrigo já apresentava severas dificuldades na natação, contudo, segundo as regras do
concurso, estava apto e buscando sua formação para bem desempenhar a tão sonhada função de Soldado do Corpo de
Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso. Penso que ciente de sua deficiência, Rodrigo tenha tido esperança
de melhorar seu desempenho na natação justamente contando com o auxílio da Instrutora e também Comandante de seu
Pelotão. Entretanto, pelos relatos apresentados pelos seus colegas, em tese, as expectativas tanto de Rodrigo, como do restante do pelotão foram frustradas”.
Inquérito Policial Militar (IPM), que também apurou as circunstâncias da morte de Rodrigo, concluiu pela existência de
indícios de crimes militares praticados pelo tenente-coronel Reveles, comandante do 1º Batalhão da Capital e
pela tenente Ledur. Apontou ainda para indícios de cometimento de transgressões disciplinares, praticadas pelos militares
Licínio Ramalho Tavares, tenente-coronel BM, diretor de ensino da instituição, incluindo mais uma vez Marcelo Reveles e Izadora Ledur. Inquérito foi concluído e publicado no dia 17 de fevereiro. Ledur foi acusada de expor a perigo a vida do
aluno durante o treinamento.
Apesar de responder a um Inquérito Policial Militar (IPM) e ser agora indiciada por tortura, em inquérito
Civil, Boletim Interno da Corporação aponta que Ledur esta apta a passar por processo de promoção, no primeiro
semestre de 2017. Ano passado, a promoção foi suspensa às vésperas da formatura da turma que Rodrigo fazia
parte, em dezembro do ano passado.