A terceira câmara criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso negou provimento ao recurso interposto pela defesa de um homem condenado a 19 anos e dois meses de reclusão, em regime fechado, e 230 dias-multa pela prática dos crimes de roubo, seqüestro e cárcere privado, estupro e explosão. Conforme os desembargadores que participaram do julgamento, a condenação deve ser mantida porque a prova da materialidade e da autoria delitiva era incontestável, e a sentença na ação inicial pautou-se nas provas apresentadas aos autos, ou seja, nos depoimentos das vítimas, das testemunhas e do acusado (recurso de apelação criminal nº. 98743/2006).
Segundo a denúncia do ministério público, os crimes aconteceram no bairro Barreiro Branco no início de janeiro de 2006, em Cuiabá. Ele, então com 41 anos e usuário de entorpecentes, vivia em concubinato há cerca de cinco anos com uma jovem de 24 anos, grávida de cinco meses. O casal já tinha uma filha de quatro anos. De acordo com os autos, o denunciado sentia ciúme doentio da esposa, a ameaçava e a agredia constantemente. Cansada de sofrer, ela saiu de casa em 28 de dezembro de 2005, deixando a filha com o companheiro, já que a mãe dela morava ao lado e poderia ajudá-lo a cuidar da criança. Inconformado com a separação, o denunciado passou a tramar um plano de vingança contra a família da ex-companheira.
No dia seguinte à saída da mulher, ele escreveu uma carta, deixando claro suas intenções, com frases como ‘estarão todos correndo risco de vida’, ‘quem estiver comigo serão baleado sem piedade’, ‘C. venha ou durma todas as noites sabendo que pessoas sua foi morta por tua causa’, ‘depois de tudo feito ouvirá um tiro, será contra o coração que te queria’.
Como não tinha arma, ele foi ao sítio de um vizinho, de 72 anos de idade. Munido de uma faca, tentou esfaquear o idoso, ferindo-o no pulso direito. Aproveitando que a vítima caiu, o denunciado passou a esmurrá-lo e amarrou seus pés com uma corda. Depois roubou-lhe a arma, com cinco projéteis intactos.
Em 2 de janeiro de 2006, ele foi até a casa da sogra, levando o revólver e um saco com bombas, onde fez seis pessoas, inclusive crianças e adolescentes, reféns sob a mira do revólver. O seqüestro e cárcere privado perduraram das 21h até às 15h do dia seguinte. Nesse período, ele desmanchou algumas bombas e colocou a pólvora no interior de uma panela de pressão, tampou e lacrou, deixando o pavio do lado de fora, ao lado de um botijão de gás.
Durante o seqüestro, o denunciado deitou-se ao lado de uma das adolescentes, de 13 anos e constrangendo-a, acariciando seu corpo com as mãos e com o cano do revólver. Apesar dos protestos e do choro da menina, o denunciado não desistiu em prosseguir com a agressão e determinou que ela fosse até o quintal. Do lado de fora, ele cometeu crime de atentado violento ao pudor e o eventual estupro só não se consumou porque já estava amanhecendo e as pessoas dentro da casa acordaram, impedindo-o de prosseguir.
Por volta das 15 horas do dia 3 de janeiro, as vítimas foram libertadas com a condição de que a ex-companheira dele ocupasse seus lugares. Durante o cárcere, sob mira de revólver, mediante grave ameaça de morte por envenenamento, tiro ou explosão, o denunciado constrangeu a própria companheira, grávida de cinco meses, a manter consigo relação sexual por três vezes. Ainda durante o cárcere dela, o denunciado efetuou três disparos, dois para o alto e um em direção a um dos policiais que faziam o cerco na casa, colocando em risco a integridade física de todos.
No dia 4 de janeiro, o denunciado atirou contra a bomba armada dentro da panela, mas não conseguiu detoná-la. A vítima, aproveitando um descuido do ex-companheiro, fugiu da casa, momento em que se ouviu uma forte explosão provocada pelo denunciado. Logo em seguida a Polícia Militar invadiu a casa, rendendo o homem e prendeu-o.
RECURSO MINISTERIAL – O ministério público interpôs recurso sob alegação de que a sentença não reconheceu a prática dos crimes previstos no art. 15 da Lei nº. 10.826/2003 (disparo de arma de fogo); art. 251 do CP (explosão), assim como quanto à prática dos estupros consumados foram perpetrados três vezes, ao invés de duas. O recurso foi julgado parcialmente procedente pelo TJMT a fim de reformar a sentença de 1º grau apenas com relação ao delito praticado no artigo 251 do CP, ou seja, “expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos”.
A Terceira Câmara Criminal, em consonância com o parecer ministerial, negou provimento a esse recurso por entender ser impossível absorver o acusado, que não era réu primário. “Denoto que a tese levantada pela defesa para eximir o Apelante da autoria dos fatos ocorridos na residência da família de sua ex-companheira merece ser rechaçada, prima facie, porque as informações apresentadas pelo réu e por todas as testemunhas em juízo reforçam e consolidam a veracidade das imputações que lhe são atribuídas (…). Impostergável que o apelante negou a autoria, todavia, tal premissa é absolutamente divorciada da verdade real apresentada pela prova dos autos”, destacou o desembargador Díocles de Figueiredo.