Sem lideranças políticas conhecidas, sem o chamariz de atores globais ou de freqüentadores da revista “Caras”; convocadas apenas pela internet, 2.000 pessoas –segundo cálculos da Polícia Militar– reuniram-se ontem em frente ao edifício da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) para manifestar-se contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com o nome oficial de “Movimento Fora Lula! O Brasil Acordou!”, a mobilização de ontem é a tradução para o mundo real dos protestos que, no mundo virtual, já congregam 196.007 pessoas –este é o número de membros da comunidade “Fora Lula” do Orkut.
Manifestações foram realizadas também em Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Vitória e Campo Grande (somadas, reuniram cerca de mil pessoas).
A palavra de ordem dominante foi o “Fora Lula”. Mas também se ouviram: “Ca-cha-cei-ro, ca-cha-cei-ro”, “va-ga-bun-do, va-ga-bun-do” e “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”. Nas faixas e cartazes, o mesmo tom: “Marta, fora, biscate” e “Lula, maldito, relaxa e vaza”.
Militantes pela redução da maioridade penal, pelos “direitos humanos (só) para humanos direitos”, pela imediata construção de um partido nacionalista conservador, e até o movimento “República de São Paulo”, que pretende a separar o estado do restante do país apareceram na manifestação.
Não se via uma só bandeira vermelha. Negros eram os cartazes e as camisetas.
Às 14h30, a cantora Enza Flori, 52, subiu ao carro de som. Agachada, sem ser vista pelo pessoal no chão, ela cantou uma versão meio gospel do “Hino Nacional”. Um amigo segurava-lhe a letra, escrita em caracteres bem grandes, que ela colava com atenção. Enza já foi famosa. Era a “Mascotinha do Rei Roberto Carlos”, nos idos dos anos 60. Hoje, dedica-se à música italiana, especialista que é em Rita Pavone.
Depois da “emoção do hino”, segundo Enza, o carro de som saiu, passeata atrás, rumo ao parque do Ibirapuera, área onde se localizam o Segundo Exército e o Monumento ao Soldado Constitucionalista.
Amiga do coronel Ubiratan Guimarães, o comandante do chamado “Massacre do Carandiru”, que resultou na morte de 111 detentos de um complexo penitenciário paulista, a empresária Ana Prudente, 49, era uma das mais entusiasmadas participantes. “Ele [o coronel Ubiratan], se estivesse vivo, certamente estaria nos apoiando. Ele era desses que nunca fugiu à luta”, disse. O coronel foi assassinado no ano passado.
Com os cabelos loiros e impecavelmente alisados, a empresária e estilista Patricia Guizzardi, 37, recusava ser chamada de representante da “elite branca” (expressão cunhada pelo ex-governador Claudio Lembo). “Eu acho esse comentário até racista. Sou povão. Passei dez carnavais seguidos no Rio de Janeiro, sambando no meio de negros.”
Na passeata de ontem, os jornalistas disputavam a desempregada Jessica Verônica Aquino Nascimento, 25, raríssima negra presente. Segundo ela, seus “irmãos de raça e os pobres em geral, infelizmente, ainda são muito ignorantes”.
Na frente do Segundo Exército, depois de andar 3 km, o pessoal ainda teve forças para gritar “Acorda, Milico! Acorda Milico!”. Daí, surpresa, emendaram-se clássicos da canção de protesto, como “Apesar de Você”, de Chico Buarque, e “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, de Vandré.