Já não é de hoje que a Câmara de Cuiabá vem levantando suspeitas sobre seus gastos. A ex-presidente do Legislativo Municipal, Chica Nunes (PSDB), atual deputada estadual, acusada em diversos casos de desvio de dinheiro público e compra de votos, apenas seguiu um caminho aberto por seus antecessores. Notas fiscais com datas de 2001 e 2002, obtidas pelo Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE), indicam que a “bandalheira” vem de longas datas e o que o esquema de pagamento através de notas frias e clonadas demonstram a existência de uma “máquina azeitada” já há algum tempo para fins de sacar contra os cofres públicos, envolvendo gráficas de fundo de quintal.
Só para se ter uma idéia de como o esquema funciona e como os gestores não têm a menor preocupação em esconder eventual desvio de dinheiro, basta verificar uma nota fiscal da Papelaria Rio do Sol, Móveis e Máquinas Ltda, que funcionaria na Avenida Generoso Ponce, 248. Em 27 de maio de 2002, a papelaria vendeu para a Câmara Municipal – que ainda funcionava na Avenida Getúlio Vargas – materiais do tipo agulha descartável , fixador odontológico, broca FG, anestésico tópico, condicional de seringa, revelador…. Um verdadeiro disparate!
Detalhe importante: a despesa foi de R$ 79,4 mil. Esse valor refere-se ao limite máximo para despesas através da modalidade carta-convite. Há, no entanto, um porém que torna as transações do legislativo ainda mais suspeitas: a Rio do Sol conseguiu vender em um ano quase R$ 300 mil para os vereadores. E mais: todas as notas apresentadas tinham valor acima de R$ 70 mil. No roteiro elaborado pelo MCCE, as cartas-convites tinham sempre os mesmos participantes. “Inclusive pessoas que já declararam na Justiça que nunca venderam à Câmara Municipal” – disse um integrante do MCCE.
O Legislativo de Cuiabá, a rigor, pelas notas colhidas, sempre demonstrou um apetite fenomenal para adquirir produtos odontológicos, sem, contudo, jamais ter sequer um gabinete dentário. No final de 2002, duas cartas convites, uma vencida por Rita Márcio da Silva, e outra por Selma Regina Teixeira-ME abasteceram a Câmara de material odontológico e médico hospitalar. Foram gastos ai, respectivamente, R$ 48 mil e R$ 77,7 mil. No ano passado, a Câmara “adquiriu” produtos da ML da Costa Teixeira Comércio e Serviços-ME. Ionometro, flúor, lidocaína, broca, eugenol, entre outros, estão em R$ 52,5 mil de despesas pagas pelo Legislativo à empresa, que, curiosamente, tem o mesmo endereço de outra empresa onde foram “adquiridos” papelarias.
“Pelo que se nota, a Câmara só trabalha com empresas que negociam de agulha a avião” – brincou um dos integrantes do MCCE, ao avaliar o assunto. Segundo uma fonte que trabalha nas investigações das possíveis tramóias com o dinheiro público, as empresas que “fornecem” para a Câmara são concorrentes entre si. Os valores apresentados são redondos. Essas “empresas” seriam controladas por uma única pessoa. “Os laranjas do esquema são seus parentes” – revelou, sem dar maiores detalhes porque espera uma ação mais eficiente da Justiça.
A rede do esquema de corrupção começa com a “fabricação” das notas fiscais. Por exemplo: a gráfica responsável pela confecção das notas para a Rio do Sol, a Gráfica Escala, curiosamente, é a mesma que imprimiu as notas da Empório, cujo proprietário já negou que tivesse feito negócios com a Câmara de Cuiabá. A Empório participou de diversas cartas-convites da Câmara. Na suspeita de participar do esquema ainda está a Gráfica Soberana, em cujo endereço funciona outra gráfica.