A pavimentação da BR-163, entre Guarantã do Norte em Mato Grosso e Santarém (PA), que corta a Amazônia, deve começar em junho e é vista como uma oportunidade de o Brasil virar a página de um passado de erros na ocupação desordenada da floresta e de extração desenfreada de seus recursos naturais.
Prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula e orçada em 1 bilhão de reais, a obra demandou três anos de planejamento visando garantir a sustentabilidade econômica do projeto, que estabelecerá um competitivo corredor para transporte de mercadorias entre o Norte e o Centro-sul brasileiro, principalmente de commodities para exportação.
O Ministério da Integração Nacional confia em investimentos de 200 milhões de reais, já feitos ou em execução, em ações para minimizar os riscos sociais e ambientais na região.
“Foi o mais intenso processo de criação de unidades de conservação (de Proteção Integral ou de Uso Sustentável) em uma mesma região que houve na história no país. Por que? Objetiva fechar essas possíveis frentes de expansão (desordenada)”, disse Júlio Miragaya, coordenador de Planejamento Territorial do ministério.
Os recursos foram investidos em assentamentos de 30 mil produtores familiares ao longo da via –visando a produção sustentável–, plano de zoneamento de culturas e exploração legal das florestas, gestão e proteção das matas, sem falar da criação de unidades de conservação em 18 milhões de hectares.
As medidas do governo visam conter o fluxo migratório desenfreado na região –a população poderia dobrar em 20 anos, para 4 milhões de pessoas–, em função da expectativa alimentada pela estrada. O combate à grilagem de terra pública e prostituição na área da rodovia também está previsto.
“Toda uma obra dessa envergadura tem algum risco, mas o Plano (BR-163 Sustentável) prevê se antecipar a possíveis desdobramentos.”
Segundo ele, o planejamento, além de orientar onde a atividade agrícola, pecuária, minerária pode se expandir ou se consolidar, tem o objetivo maior de manter a floresta em pé, intensificando o uso de áreas já abertas.
CONSCIÊNCIA PRIVADA
Mas organizações ambientalistas ainda acham que haverá alguma dificuldade de reduzir as ameaças. A diferença agora é que a própria iniciativa privada está sendo levada a preservar mais o ambiente do que no passado, uma vez que os produtos brasileiros oriundos de áreas desmatadas estão cada vez mais sujeitos a embargos internacionais.
“Acho que tem um pouco essa percepção (de que os produtores podem se prejudicar se desmatarem novas áreas)… A força do mercado vai ser limitante (do desmatamento)”, disse a representante no Brasil da TNC (The Nature Conservancy), Ana Cristina Barros.
A ambientalista admite o alto risco do projeto, dizendo que 75 por cento do desmatamento da Amazônia ocorrem ao longo das rodovias, mas vê um cenário mais positivo do que no passado, observando que acordos com produtores, e mesmo o plano governamental, devem limitar os problemas.
A coordenadora da TNC, entidade com 18 anos de atuação em território brasileiro, citou um recente acordo de produtores com o governo de Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, para respeitar áreas de preservação legalmente protegidas, e já vê resultados em projetos semelhantes implantados em menor escala, em Lucas do Rio Verde, por exemplo.
Ela disse que a “moratória” anunciada pela indústria e exportadores no ano passado contra grãos cultivados no Bioma Amazônico é outro exemplo de como os agentes privados estão buscando a sustentabilidade.
Ana Cristina não prevê condição ideal de sustentabilidade econômica nem caos total. “Não vai ser uma Belém-Brasília… mas também não vai ser o que se espera de um projeto de desenvolvimento…”, disse ela, salientando que, embora uma porção de empresas esteja “arregaçando as mangas”, ainda são poucas as envolvidas.
A ambientalista disse que as organizações deverão fiscalizar e denunciar também a eventual quebra dos direitos indígenas e das populações nativas da região.
GANHOS COM PAVIMENTAÇÃO
O asfaltamento dos cerca de 1.000 quilômetros entre Guarantã e Santarém, além da recuperação de um trecho de quase 500 quilômetros de estrada precária entre Nova Mutum e a divisa com o Pará, poderá reduzir em 30 dólares por tonelada os custos de frete rodoviário e marítimo para enviar soja à Ásia, por exemplo.
Concluída a obra, que deve durar três anos, com 300 milhões de reais reservados no orçamento de 2007, a produção será escoada pelo Rio Amazonas, a partir de Santarém, para o Atlântico, viajando pelo Canal do Panamá à Ásia. Os embarques para a Europa também seriam beneficiados, assim como o transporte da Zona Franca de Manaus para outras áreas do país.
Hoje a soja de Sorriso, o principal produtor de soja do Brasil, tem de viajar 2.200 quilômetros até o Porto de Paranaguá (PR) para exportação, um obstáculo para a expansão da atividade no Estado e no Centro-Oeste.
“A BR-163 significa a manutenção do volume de produção do Mato Grosso, porque a cada safra temos um custo de produção crescente. Se não tivermos alternativa de transporte adequada, deixamos de ser competitivos. Essa BR é a luz no fim do túnel para nós”, disse o consultor da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso (Famato), Amado Oliveira.
Com o asfaltamento da BR-163, o trajeto por rodovia para a exportação de soja cairá para 1.200 quilômetros até Santarém. Mas não é apenas a exportação que vai ser estimulada. Outros Estados brasileiros poderão ter alimentos mais baratos do Centro-Oeste.
“Vai permitir que coloquemos milho do Médio-Norte de Mato Grosso no Nordeste brasileiro, isso é extremamente importante, equivale a 300 programas Fome Zero”, completou ele, para quem só não se produz mais por falta de acesso a mercados.