De malas prontas para retornar à sua terra natal (Goiânia), a procuradora da República e Eleitoral de Mato Grosso, Léa Batista de Oliveira, que completa dois anos no Estado, resumiu o trabalho da instituição a qual pertence, como essencial e decisivo para a conscientização da população quanto aos abusos cometidos por políticos que se consideram proprietários do Poder Público. Se dizendo apaixonada pelo Direito Eleitoral, ela aponta para rumorosos casos que nasceram dentro da sociedade que acabou entregando os políticos inescrupulosos e aponta que cada vez mais se sente compelida a trabalhar e a endurecer no combate a qualquer tipo de corrupção.
Ela cita grandes escândalos como os Sanguessugas e os Mensaleiros como exemplos de avanços sociais para o Brasil e mesmo reconhecendo a resistência nas mudanças já vislumbra um futuro promissor para todos, apontando que não existirá muito em breve espaço para quem não andar dentro da lei, corretamente e sem promover qualquer tipo de abuso.
“Antes falavam que era impossível se cassar detentores de mandatos eletivos por infidelidade partidária e Mato Grosso deu o exemplo cassando não apenas um deputado estadual, mas outros 215 vereadores dentro de 478 processos abertos e julgados.” A procuradora Regional Eleitoral, lembra ainda os casos dos deputados federal Pedro Henry (PP) e estaduais, Chica Nunes (PSDB) Gilmar Fabris (DEM) e Percival Muniz (PPS) que foram cassados pelo TRE, mas continuam cumprindo seus mandatos por força de liminares federais e mais recentemente o prefeito reeleito de Cáceres, Ricardo Henry (PP), que teve o registro de sua candidatura cassado na véspera da diplomação.
“Neste caso nós avançamos e mesmo com as decisões superiores que os mantém na função, a sociedade e a população reconhece nossos esforços no sentido de expurgar, não permitir que pessoas assim continuem a participar da vida política de nossa Nação, nosso Estado e nossos municípios.”
Léa – Possibilidade de ajuizamento de ações de perda de mandato eletivo; cassação de registros de candidaturas de pessoas que já tinham abusado do poder e não haviam recebido uma resposta do Estado e da sociedade para seus atos.
Gazeta – Mas a sociedade consegue ver resultados nestes processos judiciais. A sociedade vê o abuso cometido pelos políticos?
Léa – Consegue. O cidadão enxerga mais do que a Justiça.
Gazeta – Então porquê ele não denúncia diante de tantos pedidos da Justiça Eleitoral para que o eleitor não venda seu voto?
Léa – A população tem denunciado muito mais. Isto é fato e a cada eleição este número se amplia consideravelmente. A maioria do tipo de abuso de autoridade político e econômico por compra de voto, é um ilícito eleitoral cometido as escondidas, o que dificulta a visualização, a denúncia e a comprovação. O que está sendo visível, é que a população procura o Ministério Público e está denunciando. Ela está mais atenta do que nunca. O que não acontece é que nós não alardeamos essas denúncias e nossas testemunhas, nossa missão é punir de forma exemplar o abuso cometido e o desrespeito as leis.
Gazeta – Dá para se falar que a Justiça Eleitoral mudou nos últimos anos. Ela hoje participa de forma mais incisiva nas questões eleitorais?
Léa – Apesar de lenta, a Justiça Eleitoral tem avançado. Não é o avanço desejado pela população e pela sociedade, mas o avanço existe. É claro que se necessita de uma reforma política urgente para se mudar a legislação. Com a introdução da Lei n.º. 9.504 foram um avanço assim como as mudanças introduzidas posteriormente. Então existe um impulso para frente e a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral está acompanhando esse avanço.
Gazeta – Se existe um avanço, porque somente um deputado estadual, que é de Mato Grosso e um deputado federal foram cassados por infidelidade partidária e os demais foram vereadores. Não é pouco num universo político imenso e cheio de máculas?.
Léa – Concordo que é muito pouco quando se considera o que acontece no país. Como cidadã acho que é pouco, mas como procuradora olho de maneira esperançosa, de que existe avanço, mesmo que lento, mas existe. A cassação de Walter Rabello é um exemplo de que se há uma regra e alguém a desrespeita tem que ser punido.
Gazeta – Mas e a questão dos deputados cassados no TRE de Mato Grosso, mas que permanecem em seus mandatos com liminares de Tribunais Superiores?
Léa – É triste ver pessoas que abusam do poderio político e econômico continuar no cargo com uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, revendo uma decisão conquistada aqui à duras penas.
Gazeta – Essas decisões tomadas em Mato Grosso tem base, fundamentação jurídica?
Léa – Sem dúvida alguma que tem. Essas decisões foram todas analisadas, fundamentadas, investigadas e os processos não tem falhas.
Gazeta – Então o que aconteceu. Onde estão as falhas? É uma questão política?
Léa – É uma questão estrutural. O sistema, a estrutura do Direito Eleitoral, infelizmente, apesar dos pequenos avanços é feita para não funcionar. Só para citar um exemplo, a pena mais grave no Direito Eleitoral seria a cassação do registro e a inelegibilidade. Um político receber a pena de inelegibilidade para quem preza sua imagem é a pior das penas. O que acontece é que o Ministério Público ajuíza sua representação para abrir uma investigação judicial eleitoral. Depois de correr atrás das provas, se consegue uma decisão favorável, pois o cidadão abusou de seu poder politico, então ele será condenado e se tornará inelegível. Ele recorre, porque o sistema prevê o recurso e não está errado, tem que existir recursos, as decisões tem que ser revista, mas o que acontece, ele procura o TRE e depois o TSE, então acontece o seguinte: a pena de inelegibilidade só tem efeito quando transita em julgado, ou seja, quando não existe mais recurso. A pena de inelegibilidade prevista na lei é de 3 anos, então o sistema é feito para não funcionar.
Gazeta – Como assim não funciona, se o político é condenado?
Léa – O exemplo é o mesmo, ou seja, para quem vai ser candidato ou foi candidato neste ano a prefeito e acabou se tornando inelegível, o prazo de suspensão é de 3 anos e o mandato é de quatro anos, portanto, na próxima eleição em 2012 ele já poderá ser candidato novamente. Os deputados não tiveram pelo menos a capacidade de colocar uma inelegibilidade de quatro anos, ou o mesmo período de um mandato para deixar de fora aqueles que comentarem algum crime ou irregularidade que mereça punição.
Gazeta – Adianta se falar em fidelidade partidária se o próprio Congresso Nacional discute a possibilidade de se criar uma janela de tempos em tempos para aqueles que desejarem trocar de partido?
Léa – Janela é a mesma coisa de infidelidade partidária. Ela condena a política brasileira. Os acordos escusos vão continuar. Quem dá mais, terá mais políticos com mandatos e assim por diante. O que for mais conveniente para quem estiver no poder será decidido, de acordo com conveniências pessoais, o que exclui o interesse público, o fortalecimento dos partidos enquanto instituições. O regime democrático não sobrevive a este tipo de atuação, porque os partidos são deixados de lado, a sociedade não vê o partido e sim os candidatos, o que não é o mais correto.
Gazeta – A solução seria uma reforma política feita por políticos?
Léa – Quando se fala em reforma política é preciso saber que tipo de reforma a sociedade deseja e para quem ela será importante. Não consigo conceber uma reforma desta envergadura sem a participação popular. É preciso debater, estudar tudo e fazer com que a população acredite e veja os resultados. Fazer reforma apenas por fazer não adianta.
Gazeta – Na prática como seria essa questão da reforma em relação aos detentores de mandato eletivo que foram cassados ou respondem a processos?
Léa – O ideal é que as decisões judiciais não tivessem efeito suspensivo, ou seja, os recursos deveriam resguardar os direitos daqueles condenados em recorrer, apenas isso, e não permitir que eles fiquem no mandato. Mas reconheço que para isto acontecer é preciso que a Justiça Eleitoral julgue com mais celeridade e decidir aquilo que está dentro da lei.
Gazeta – A falta de decisões rápidas por parte dos Tribunais não deixa a Justiça Eleitoral em constante conflito. Os recursos praticamente levam um mandato inteiro dos acusados. Qual a solução para isto?
Léa – Um exemplo da indefinição, da demora na prestação da Justiça, o mal especialmente para a própria Justiça, pois o eleito consegue diplomar e vai levando as coisas como dizem no ditado popular, “na barriga”. Nas eleições de 2006, o deputado Percival Muniz (PPS) teve o registro de sua candidatura indeferido pela Justiça Eleitoral, ele recorreu ao TRE, e entre os recursos e a diplomação ele conseguiu um efeito suspensivo e acabou diplomado. No TSE foi confirmada a decisão do TRE. Ele promoveu um embargo de declaração alegando que a decisão era obscura e contraditória. Os embargos foram rejeitados, ele apresentou novo recurso só que extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, mas o presidente do TSE que recebe o recurso não admitiu a protelação, então ele entrou com um agravo de instrumento para que o recurso extraordinário então pudesse subir para o STF. Já se passaram dois anos e ele que teve o registro indefinido no início do processo eleitoral, portanto, ele não tem legitimidade para estar aonde se encontra e já se passaram dois anos sem que a Justiça desse a resposta efetiva. Aí fica ruim.
Gazeta – Mas o Ministério Público não pode fazer nada?
Léa – Ligamos constantemente há dois anos para Brasília cobrando, mandando oficio, pedindo prioridade no caso e nada. Neste caso não há efeito suspensivo, mas ele continua no mandato. Ele protela dentro dos recursos que a legislação lhe assegura, portanto, está dentro da lei.
Gazeta – A senhora já desempenhou outras funções no MPF que não na Justiça Eleitoral. Existe uma similaridade entre ambas?
Léa – Fui promotora no Distrito Federal, praticamente a mesma função aqui. Quando a gente conhece mais de um sistema, aí se percebe como a estrutura, o sistema é feito para não andar, ou para pegar alguns tipos de pessoa. Como promotora de Justiça, denuncia-se furto, roubo entre outros. Como procuradora da República, as denúncias serão contra desvio de verbas federais, improbidade administrativa, aí se percebe a dificuldade, o sistema é seletivo para pegar, alcançar determinadas pessoas e nesse caso se encaixar o eleitoral também. Ele é feito para não funcionar.
O Ministério Público tenta fazer seu trabalho com a máxima celeridade, só que ele aciona a Justiça, ele não decide e sim a Justiça. Mas existem dificuldades, pois para acionar o Judiciário é preciso estar instruída com elementos que advém do próprio Estado, no caso das forças policiais e dos processos. Aqui se necessita de investigações, de processos bem elaborados para não deixarem falhas que possam beneficiar os acusados, sendo que o nível de dificuldade de se investigar um furto em relação a um desvio de milhões é muito diferente.
Gazeta – Como assim diferente?
Léa – Uma investigação em cima de crimes como Sanguessugas, Mensaleiros, fraudes em desapropriações demandam um estudo pessoal e mais profundo, porque o desvio de recursos públicos provocam danos irreparáveis, pois se subtrai recursos da saúde do pobre, da educação de quem não pode pagar escola privada. Esse é um crime contra toda a sociedade.
Gazeta – Na sua opinião, qual seria o grande avanço na área eleitoral?
Léa – O financiamento público de campanha, que nada mais é do que dar condições de igualdade para todos os candidatos e permitir que a Justiça tenha rédeas mais curtas na fiscalização daquele que é o maior empecilho para fazer valer o voto popular, que é o dinheiro sem origem. Defendo essa bandeira porque a igualdade e condições de oportunidade facilitam a vida dos candidatos, da Justiça de se combater o caixa 2, pois um real fora do que estiver estipulado neste orçamento já remete a situação para o cometimento de crime. Com certeza a fiscalização seria muito melhor e mais fácil de ser apurada e os discursos de que pegar dinheiro público para custear campanha eleitoral num país onde falta tudo é desculpa, pois este dinheiro permitirá que a sociedade conheça seus candidatos, não receba propostas e trabalhe com honestidade.