A ministra Marina Silva atribuiu sua saída do governo às dificuldades enfrentadas “há algum tempo para dar prosseguimento à agenda ambiental federal”. Na carta de demissão enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marina diz que ele “é testemunha das crescentes resistências encontradas por nossa equipe junto a setores importantes do governo e da sociedade”.
Na carta, Marina não cita nomes de quem, no governo, teria criado resistência contra suas ações à frente do ministério. Ela ainda agradece o empenho e a coragem do presidente ao assumir bandeiras do ministério na luta contra o desmatamento da Amazônia. Marina diz no texto que sua saída é em “caráter pessoal e irrevogável”.
“Caro presidente Lula,
Venho, por meio desta, comunicar minha decisão em caráter pessoal e irrevogável, de deixar a honrosa função de Ministra de Estado do Meio Ambiente, a mim confiada por V. Excia desde janeiro de 2003. Esta difícil decisão, Sr. Presidente, decorre das dificuldades que tenho enfrentado há algum tempo para dar prosseguimento à agenda ambiental federal.
Quero agradecer a oportunidade de ter feito parte de sua equipe. Nesse período de quase cinco anos e meio esforcei-me para concretizar sua recomendação inicial de fazer da política ambiental uma política de governo, quebrando o tradicional isolamento da área.
Agradeço também o apoio decisivo, por meio de atitudes corajosas e emblemáticas, a exemplo de quando, em 2003, V. Excia chamou a si a responsabilidade sobre as ações de combate ao desmatamento na Amazônia, ao criar grupo de trabalho composto por 13 ministérios e coordenado pela Casa Civil. Esse espaço de transversalidade de governo, vital para a existência de uma verdadeira política ambiental, deu início à série de ações que apontou o rumo da mudança que o País exigia de nós, ou seja, fazer da conservação ambiental o eixo de uma agenda de desenvolvimento cuja implementação é hoje o maior desafio global.
Fizemos muito: a criação de quase 24 milhões de hectares de novas áreas de conservação federais, a definição de áreas prioritárias para conservação da biodiversidade em todos os nossos biomas, a aprovação do Plano Nacional de Recursos Hídricos, do novo Programa Nacional de Florestas, do Plano Nacional de Combate à desertificação e temos em curso o Plano Nacional de Mudanças Climáticas.
Reestruturamos o Ministério do Meio Ambiente, com a criação da Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e do Serviço Florestal Brasileiro; com melhoria salarial e realização de concursos públicos que deram estabilidade e qualidade à equipe. Com a completa reestruturação das equipes de licenciamento e o aperfeiçoamento técnico e gerencial do processo. Abrimos debate amplo sobre as políticas socioambientais, por meio da revitalização e criação de espaços de controle social e das conferências nacionais de Meio Ambiente, efetivando a participação social na elaboração e implementação dos programas que executamos.
Em negociações junto ao Congresso Nacional ou em decretos, estabelecemos ou encaminhamos marcos regulatórios importantes, a exemplo da Lei de Gestão de Florestas Públicas, da criação da área sob limitação administrativa provisória, da regulamentação do art. 23 da Constituição, da Política Nacional de Resíduos Sólidos, da Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Contribuímos decisivamente para a aprovação da Lei da Mata Atlântica.
Em dezembro último, com a edição do Decreto que cria instrumentos poderosos para o combate ao desmatamento ilegal e com a Resolução do Conselho Monetário Nacional, que vincula o crédito agropecuário à comprovação da regularidade ambiental e fundiária, alcançamos um patamar histórico na luta para garantir à Amazônia exploração equilibrada e sustentável. É esse nosso maior desafio. O que se fizer da Amazônia será, ouso dizer, o padrão de convivência futura da humanidade com os recursos naturais, a diversidade cultural e o desejo de crescimento. Sua importância extrapola os cuidados merecidos pela região em si, e revela potencial de gerar alternativas de resposta inovadora ao desafio de integrar as dimensões social, econômica e ambiental do desenvolvimento.
Hoje, as medidas adotadas tornam claro e irreversível o caminho de fazer da política socioambiental e da economia uma única agenda, capaz de posicionar o Brasil de maneira consistente para operar as mudanças profundas que, cada vez mais, apontam o desenvolvimento sustentável como a opção inexorável de todas as nações.
Durante essa trajetória, V. Excia é testemunha das crescentes resistências encontradas por nossa equipe junto a setores importantes do governo e da sociedade. Ao mesmo tempo, de outros setores tivemos parceria e solidariedade. Em muitos momentos, só conseguimos avançar devido ao seu acolhimento direto e pessoal. No entanto, as difíceis tarefas que o governo ainda tem frente sinalizam que é necessária a reconstrução da sustentação política para a agenda ambiental.
Tenho o sentimento de estar fechando o ciclo cujos resultados foram significativos, apesar das dificuldades. Entendo que a melhor maneira de continuar contribuindo com a sociedade brasileira e o governo é buscando, no Congresso Nacional, o apoio político fundamental para a consolidação de tudo o que conseguimos construir e para a continuidade da implementação da política ambiental.
Nosso trabalho à frente do MMA incorporou conquistas de gestões anteriores e procurou dar continuidade àquelas políticas que apontavam para a opção de desenvolvimento sustentável. Certamente, os próximos dirigentes farão o mesmo com a contribuição deixada por esta gestão. Deixo seu governo com a consciência tranqüila e certa de, nesses anos de profícuo relacionamento, temos algo de relevante para o Brasil.
Que Deus continue abençoando e guardando nossos caminhos.
Marina Silva”