A partir de março, o calendário oficial de vacinação do Ministério da Saúde ganha mais uma data. É a da vacina contra o rotavírus, que causa aproximadamente 4.000 mortes e 40 mil internações anuais no Brasil.
O HPV, que causa câncer do colo do útero e leva à morte 240 mil mulheres todos os anos no mundo, também poderá ser combatido com vacina –dois fabricantes devem disponibilizar os novos remédios nas clínicas particulares brasileiras ainda neste ano. Entre outras, pesquisadores trabalham no desenvolvimento de vacinas contra meningite tipo A, câncer, HIV e gripe aviária.
Com os novos medicamentos, também se manifesta um ruído antivacinação propagado principalmente pela internet em sites de organizações da Europa e dos EUA. A despeito dos resultados positivos das campanhas, de pesquisas internacionais e das recomendações claras do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria, ainda há dúvidas sobre a imunização.
O rotavírus, por exemplo, parece não assombrar a engenheira Pat Feldman, 28, que não pretende dar mais nenhuma vacina a seu filho Arthur, com sete meses e meio. “As vacinas têm muitos efeitos colaterais que não são divulgados. Só falam o que faz bem, mas ninguém fica sabendo do outro lado”, afirma ela, que não segue a orientação do pediatra da criança. Seu filho só recebeu a primeira dose da vacina contra hepatite B e a dose única da BCG, contra tuberculose.
Para Edimilson Migowski, chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pais e mães como a engenheira acabam “levando vantagem” pelo fato de a maioria das crianças estar vacinada. “Mas, se todas pensarem como eles, o todo acaba comprometido. Vacinar é um ato de cidadania, que a pessoa faz pelo filho e pela comunidade”, diz.
Alguns efeitos adversos causados pelas vacinas respondem pelas dúvidas que circulam na internet. A vacina anterior contra rotavírus (Rotashield), por exemplo, foi suspensa em 1999 por suspeita de causar um tipo de obstrução intestinal. De acordo com Migowski, o novo produto que será utilizado no Brasil apresenta um nível de segurança incomparável ao do anterior.
O médico Alexandre Linhares, do Instituto Evandro Chagas, conduziu a fase de testes da vacina contra o rotavírus da GlaxoSmithKline, em Belém, em outubro passado. Segundo ele, a eficácia foi excelente no combate às formas mais graves de diarréia causadas por rotavírus. “A vacina é uma ferramenta importante no controle da mortalidade infantil.”
Durante o estudo, foram vacinadas 3.218 crianças, e os resultados foram satisfatórios. “A vacina é segura, livre de reações e não causa obstrução intestinal, como ocorria com a opção anterior que foi retirada do mercado norte-americano”, diz Linhares.
A outra novidade é a vacina contra o vírus do HPV, que está presente em mais de 90% dos casos de câncer do colo do útero. Existem duas vacinas em desenvolvimento –uma pela Merck Sharp & Dohme e outra pela GlaxonSmithKline- que devem estar disponíveis entre 2006 e 2007. Estuda-se também introduzir o medicamento no calendário oficial de vacinações.
De acordo com o ginecologista Paulo Naud, diretor-presidente do Instituto de Prevenção do Câncer de Colo do Útero, em Porto Alegre, a vacina contra o HPV é fundamental para a prevenção desse tipo de câncer, pois tem se mostrado altamente eficaz em controlar em até 100% o HPV-16, responsável por 50% de todos os casos de câncer do colo do útero no mundo. “A gente vive hoje um momento histórico. Essa vacina é revolucionária. A expectativa é que, combatendo os dois tipos de HPV (16 e 18) mais agressivos entre os cem tipos existentes, a incidência no mundo diminua em 70%.”
O Instituto Nacional de Câncer estima que, no Brasil, esse tipo de câncer seja o terceiro mais comum entre as mulheres, sendo superado pelo câncer de pele (não-melanoma) e pelo câncer de mama, e que seja a quarta causa de morte por câncer em mulheres. Para 2006, as Estimativas da Incidência de Câncer no Brasil apontam a ocorrência de 19.260 novos casos.
Homeopata
Pensando em divulgar mais informações sobre os efeitos da vacinação, a pediatra homeopata Liliane Azambuja, da Fundação Cegeph – Centro Gaúcho de Estudo e Pesquisa em Homeopatia, criou uma comunidade virtual chamada “Tem Vacinas D +” no site de relacionamentos Orkut .
A médica diz que não é contra as vacinas, mas acha importante a monovacinação: aplicar uma vacina por vez. “Atualmente, um bebê recebe de cinco a oito vacinas de uma só vez, o que, sem dúvida, constitui uma sobrecarga ao sistema imunológico.” Migowski discorda: “Isso é um absurdo. Existem trabalhos clínicos que comprovam a eficácia das vacinas combinadas, que, muitas vezes, têm uma resposta imunológica maior do que a das monovacinais”.
A Associação Médica Homeopática Brasileira segue a orientação do Ministério da Saúde em relação à vacinação. O pediatra Ariovaldo Ribeiro Filho, presidente da Associação Paulista de Homeopatia, considera que a descoberta das vacinas foi um grande benefício, principalmente para as populações mais expostas. “É mais fácil para pais de classes sociais mais favorecidas recusar as vacinas, pois seus filhos têm condições de ser atendidos logo após os primeiros sintomas”, afirma o pediatra.
A designer gráfica Carla Castilho, 39, estava bem no meio das duas posições (pró e contra vacinas) quando sua filha Maria, hoje com dez anos, nasceu.
De um lado estava seu médico, de linha antroposófica (que não é reconhecida como uma especialidade médica), que nunca considerou a vacinação desejável. De outro, seu pai, pediatra alopata, convicto dos benefícios da vacinação. “Apesar de confiar muito no meu médico, a idéia de não vacinar não estava no meu horizonte.”
Para a antroposofia, os argumentos contra a vacinação vão além dos supostos efeitos adversos das imunizações. Eles consideram que as doenças infantis têm a função de fortalecer o sistema imunológico.
O pediatra antroposófico Antonio Carlos de Souza Aranha acha que, hoje, “trocamos doenças agudas por crônicas”.
Os supostos riscos da vacinação são rebatidos pela maioria de médicos e pesquisadores. Primeiro, explicam, porque, quando existem, os riscos da imunização são infinitamente menores do que os benefícios. Além disso, muitos riscos apontados não têm comprovação científica. “Em geral, [quem aponta os riscos] refere-se a alguém que teve uma reação, na maioria das vezes rara, logo após receber a vacina, que pode ou não estar associada ao que ocorreu. Pega-se um caso isolado e coloca-se na internet, mas a maior parte dessas informações não tem base científica”, sustenta a pediatra Lucia Bricks, da Comissão Permanente de Assessoria em Imunização da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.
“A vacina é a intervenção médica de maior impacto do século 20”, empolga-se Lily Yin Weckx, coordenadora do Crie (Centro de Referência de Imunobiologia Especial) e chefe de infectologia pediátrica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Weckx acha que a supervalorização dos riscos ocorre justamente por conta da eficácia da vacinação. “Quando a cobertura vacinal aumenta, a incidência da doença cai. Daí sobressaem-se efeitos adversos.” Hoje, as exigências para o licenciamento, o controle na fabricação e o sistema de avaliação de efeitos adversos estão muito desenvolvidas, o que aumenta a segurança das vacinas.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a vacinação salva anualmente 3 milhões de crianças no mundo –2 milhões morrem no mesmo período por não ter acesso às vacinas. No Brasil, desde as primeiras vacinações em 1804, foram erradicadas, entre outras, a febre amarela urbana (1942), a varíola (1973) e a poliomielite (1989).
De acordo com o médico Ciro de Quadros, diretor de programas internacionais do Instituto de Vacinas Albert Sabin, em Washington, existem poucos casos de reversão da virulência (quando o vírus vivo atenuado se torna forte). “É um evento extremamente raro que só foi documentado quatro ou cinco vezes no mundo.” Para Quadros, a vacinação é importante mesmo em países onde a doença já foi erradicada. “O Brasil tem muito contato com a África. Enquanto existir pólio na África, o Brasil está em risco”, diz.
Mas não são apenas os países em desenvolvimento que apresentam riscos. Países da Europa e o Japão têm apresentado resistência às campanhas de vacinação, tornando-se “exportadores de doenças” em potencial. “Os últimos casos de sarampo nas Américas foram importados da Alemanha, da França, do Japão”, afirma Quadros.
“O Japão tem a menor mortalidade infantil do mundo, mas alguns anos atrás houve um surto de sarampo no país em que morreram mais de cem crianças”, diz o médico. “Como se permite cem crianças morrerem de sarampo num país altamente industrializado?”