Mais de 1,5 mil procedimentos hospitalares incluídos na Tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), padrão de referência para pagamento dos serviços prestados por unidades hospitalares conveniadas ou filantrópicas que atendem a rede pública de saúde, estão defasados. Procedimentos mais frequentes, como parto normal e cesárea, possuem déficit no pagamento de 60% e 81%, respectivamente. Dados foram apontados no último levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que levaram em consideração perda acumulada no período de 2008 a 2014, com base em dados do Ministério da Saúde.
O estudo não leva em consideração serviços ambulatoriais, que segundo o CFM, se fossem levados detalhados, apresentariam uma defasagem ainda maior. Em 2008, o governo federal pagava R$ 472,27 pela Internação Hospitalar (AIH) de um paciente que precisava passar pelo procedimento de parto normal. Com a atualização do valor, hoje o serviço é realizado por R$ 550, o que de acordo com o CFM está quase 60% inferior ao que poderia ser pago levando em consideração os índices Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e o Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Com relação ao parto cesárea, o índice de defasagem é ainda maior. Em 2008, a tabela SUS estipulava o valor de R$ 678,44 pela AIH e em 2014, passou para R$718,53, o que corresponde a 6% de aumento. CFM considera o aumento insignificante, uma vez que levando em consideração os índices inflacionários, a defasagem gira em torno de 80%.
O presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM), Gabriel Felsky, diz que tem acompanhado os problemas que giram em torno da classe médica e a defasagem no pagamento de procedimentos é um dos itens mais preocupantes para a categoria. “A tabela já foi implantada de maneira errônea, pois o valor inicial estabelecido, lá em 1988 pela Constituição, já era considerado insuficiente para a realização dos atendimentos. E isso acabou se agravando com os passar dos anos, pois a correção nunca foi feita corretamente”.
De acordo com Felsky, todos os conselhos de medicina do país estiveram em dois dias de reuniões em Brasília para debater e reunir as reivindicações da categoria. “Elaboramos uma pauta referente às nossas necessidades e encaminhamos para o Ministério da Saúde. Esperamos que a União, ao contrário dos últimos anos, se mostre disposta a melhorar o serviço de saúde pública no país, que já se encontra em estado de completo caos”.
O presidente do CRM do Estado diz ainda que com a desvalorização do médico, quem tem a perder é o cidadão que depende da saúde pública no país. “Não tem como manter um atendimento de qualidade com a verba mínima que é destinada à saúde. Médico nenhum vai se dispor a trabalhar muito e ganhar pouco e é por isso que muitos estão deixando de atender no SUS e dando prioridade à rede privada”.
Para exemplificar como a saúde no Brasil é tratada com descaso, Felsky compara o investimento do governo brasileiro com dos Estados Unidos (EUA). “Por paciente no país, o Governo Federal gasta cerca de U$ 400 e nos EUA o valor é dez vezes maior. Fora que além de termos que trabalhar ganhando pouco, ainda temos que lidar diariamente com a péssima infraestrutura das unidades de saúde e a falta de insumos básicos e medicamentos”.
O vice-presidente do Sindicato dos Médicos (Sindimed), Fabian Magalhães diz que médicos especialistas são os mais afetados pela defasagem no pagamento de procedimentos. “Os profissionais de neurologia, oftalmologia e cardiologia são alguns exemplos. A tabela para estas e outras especialidades apresenta um valor muito inferior ao que deveria ser pago. O resultado são longas filas de pacientes esperando por atendimento na rede pública de saúde”.
Magalhães ressalta que em Cuiabá a defasagem nos procedimentos hospitalares é apenas um dos vários problemas enfrentados pela categoria. “Estamos discutindo a tabela SUS e em breve encaminharemos para o Município nossas reivindicações. Por sua vez, este encaminhará para o Estado, que repassará para a União. O processo ainda irá demorar muito, mas não desistiremos de lutar pela reformulação dos valores”.
Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde e Meio Ambiente de Mato Grosso (Sisma) também tem acompanhado as pontuações a cerca dos valores pagos nos procedimentos médicos. Segundo o sindicalista, Oscarlino Alves, essa situação se arrasta há anos e dificilmente será solucionada em um curto espaço de tempo. “A má distribuição de papéis e recursos entre União, estados e municípios está na base da falta de dinheiro para a saúde. Males do subfinanciamento do SUS estão em um sistema tributário injusto e incompleto”.
Somando-se a isso, Magalhães ressalta o fato de o Brasil ser o único país com sistema universal de saúde em que o gasto privado é maior que o público. “As conclusões partem do olhar não só dos profissionais da saúde, mas de economistas e sanitaristas, que vêm buscando analisar, em estudos, artigos na imprensa e participação em seminários, onde está o nó da falta de recursos do sistema de saúde brasileiro, que acarreta repleto caos”.
Segundo a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, a defasagem na tabela SUS ainda é a responsável pela dívida que muitas unidades acabam adquirindo. “Mesmo recebendo um repasse que representa metade do ideal, as santas casas continuam atendendo a sociedade. O serviço é realizado as duras penas, o que compromete o atendimento. Por outro lado, o Governo Federal não cumpre o acordado, já que o reajuste de valores nunca acompanhou a inflação”, fala a presidente da federação, Maria Elisabeth Meurer Alves.
O presidente da Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá, Antônio Preza conta que a 85% do atendimento realizado na unidade é através do SUS. O hospital realiza procedimento de alta e média complexidade e corre o risco de fechar as portas caso os valores pagos pelos serviços hospitalares não sejam reajustados com urgência. “Além de recebermos pouco pelo atendimento realizado, os repasses geralmente são feitos com atraso”. Preza acrescenta que a unidade tem batido a meta de atendimentos todos os meses, e por isso recebe um incentivo de verba da União. “Ainda assim, não conseguimos atender a população de maneira satisfatória. Estamos mantendo um hospital que o custo mínimo é de R$ 7 milhões, com apenas R$ 3 milhões. Não há médico que consiga viver com os valores estipulados pela tabela SUS e quem acaba pagando por isso, infelizmente, são os usuários do sistema”.