Quando menino, a mãe pedia para eu ir ao mercadinho, eu não fazia a lista, e brincava dizendo: se for até 13 itens eu lembro de cabeça, ia e voltava algumas vezes por esquecer.
Precisamos fazer uma lista das coisas todas que no dia a dia a gente vai perdendo.
Pergunta a mim! Pergunta o que a gente vem perdendo! Que você já acha, amigo leitor!
A palavra “pergunta”, que hoje para nós é um conceito abstrato, vem da vida vivida. É do latim “percontáre”. O prefixo “per” indica movimento, e “contus” era o bastão utilizado por barqueiros para ir tocando o fundo do rio a fim de evitar o encalhar. O “afundar”. O mesmo bastão usado pelos cegos. Sacamos, então, o que é a palavra “perguntar” na vida – sondar o fundo, o desconhecido, o que não vemos ou sabemos, para nos movimentarmos.
E de mim saio para ver. Ver o quê? Ver o que existe, disse Clarice.
Para muitos o que está fora do intelectualizado e racionalizado é ignorado. O padrão, os hábitos rotineiros, dificulta a procura das coisas perdidas. Essa tendência linear levou a uma fragmentação do conhecer. Ou até um aminguamento dele.
Há coisas que não são comunicadas senão indiretamente. Há o não tangível. O invisível. O intuído. O imaginado. O indizível.
Alguns acham que há correspondência geométrica entre teoria e prática, entre o pensamento e a vida vivida. É porque tiram delas “o indizível”. E para ter com “o indizível” precisa viver. Mas eles põem nome nas coisas, mas não as vivem. Imagina! Separar o pensamento da vida! Ocorre que a vida do pensamento não tem tanto a ver assim com a vida vivida.
Dá até medo de escrever muito e sempre, medo de desfazer a palavra. Mova seu bastão, meu amigo, sonda o fundo; ache-se no costumeiro, no cotidiano. Evite o encalhar: “o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.”