O Ministério Público Federal (MPF) informou hoje que realizou uma reunião pública para ouvir lideranças indígenas dos povos Xavante e Boe/Bororo sobre os possíveis impactos da instalação de quatro pequenas centrais hidrelétricas (PCH) no Rio das Mortes e no Rio Cumbuco, em Mato Grosso. O objetivo foi colher depoimentos, identificar e registrar os possíveis impactos ambientais e sociais dos empreendimentos sobre as diversas comunidades ribeirinhas na perspectiva dos próprios indígenas.
Segundo o MPF, uma das principais preocupações apontadas está relacionada à segurança alimentar das populações tradicionais, uma vez que o barramento dos rios para a construção das PCHs pode afetar a população de peixes e a caça na região. Os dois rios também são fundamentais para a construção da identidade cultural dos povos indígenas, como ficou registrado no encontro.
A audiência aconteceu no município de Barra do Garças, região leste do estado, com a participação de diversos indígenas e de três procuradores da República: Guilherme Tavares, responsável pelo procedimento que acompanha o processo de licenciamento ambiental das PCHs; e Ricardo Pael Ardenghi e Nathália Geraldo Di Santo, que respondem pela atuação do MPF na temática indígena em Mato Grosso e também conduzem procedimentos sobre o assunto.
As lideranças indígenas presentes, com exceção da Terra Indígena (TI) Sangradouro, apontaram diversos impactos negativos dos empreendimentos sobre as comunidades, enfatizando a necessidade de que todas as aldeias potencialmente afetadas sejam ouvidas.
De acordo com a Procuradoria, o processo de licenciamento das PCHs incluiu, até agora, apenas a consulta prévia à comunidade da terra indígena Sangradouro/Volta Grande, realizada em três reuniões em 2019 e 2020. Embora os impactos afetem outras comunidades indígenas ao longo do rio das Mortes e afluentes, que são contrárias à instalação das centrais hidreléticas, elas não foram incluídas nos estudos iniciais para verificar a viabilidade de instalação dos empreendimentos energéticos. Para o MPF, a audiência pública evidenciou que os impactos serão sentidos por indígenas em toda a Bacia do Rio das Mortes.
Durante a reunião, o cacique da Aldeia Pimentel Barbosa relatou que tanto a sua comunidade como a Aldeia Areões não foram ouvidas nos estudos feitos para aprovação da obra, mas ressaltou que essas localidades serão impactadas pela mudança da correnteza e pela redução da população de peixes. De acordo com ele, o Rio das Mortes é o principal meio de sustento da Aldeia Pimentel Barbosa.
Raimundo Urebeté Ai’réró, cacique da Terra Indígena São Marcos, afirmou que a construção das pequenas centrais hidrelétricas representa um conflito silencioso que ameaça a vida dos Xavante, povo que ainda mantém tradições de coleta, caça e pesca e uma profunda relação espiritual com o Rio das Mortes.
Várias lideranças falaram no encontro, além de indigenistas e estudiosos. As informações colhidas pelo MPF na reunião pública irão subsidiar a atuação futura do órgão na questão. “Um dos objetivos do MPF é que todas as comunidades indígenas ao longo do Rio das Mortes e do Rio Cumbuco possam ser ouvidas no processo de licenciamento do empreendimento”, explicou Guilherme Tavares.