Depois de seis anos afastado dos gramados, Jean Chera está de volta ao futebol. Eterna promessa das categorias de base do Santos, o meia-atacante irá disputar a Copa Paulista de 2023 pelo EC São Bernardo. Aos 28 anos, o jogador vê no Cachorrão a chance de recomeçar a sua carreira após largá-la em 2017, depois de colecionar diversas decepções e beirar a depressão.
“Eu fiquei mal. Estava desanimado, não queria fazer nada, não queria sair de casa. Eu engordei para caramba, não queria fazer atividades físicas. Fiquei um ano assim, ficava só em casa. Fazia churrasco e jogava videogame. Não procurei ajuda, algo que me arrependo, deveria ter procurado, sim. Fiquei mal, tive um começo de depressão. Foi um ano bem ruim”, disse em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.
O atleta teve uma ascensão meteórica. Com apenas 10 anos de idade, roubou todos os holofotes do Santos. O assunto não era Neymar ou Gabigol, mas sim Jean Chera. O Menino da Vila era tratado como craque na base e, com isso, firmou um acordo para assinar o seu primeiro contrato profissional quando fizesse 16 anos. O roteiro já era conhecido pelo torcedor santista. Depois de nomes como Robinho, Diego e Elano, vinha aí mais um craque.
O futuro, porém, não foi o esperado. Celso Chera, pai e empresário do jogador, até aceitou a proposta do Peixe, mas, antes de assinar o contrato, recebeu uma ligação promissora de um empresário. A oferta era levar o seu filho para o Genoa, da Itália, e ganhar uma fortuna.
“Meu pai não pediu dinheiro a mais para o Santos, como disseram. Nunca pedimos nada a mais. O Santos fez uma proposta e nós aceitamos, mas estava tarde e combinamos de assinar o contrato no dia seguinte. Fomos para casa e ligou um empresário que tinha contato com o Genoa. Ele perguntou para o meu pai quanto o Santos ofereceu que ele pagaria o mesmo valor em euro e uma luva para gente ir. Meu pai falou para mim que seria praticamente o triplo de quanto eu ganharia no Santos, mais a luva, que era alta. Ele pensou pela parte financeira. O pé de meia estava feito já. Se acontecesse alguma coisa estaria tranquilo. Eu aceitei”, explicou.
“Mudou completamente minha vida. Hoje minha vida está bem tranquila financeiramente. Eu não precisava voltar a jogar por motivações financeiras. Não é minha principal motivação. Mas quero reescrever a minha história”, completou.
A partir de então, “muita coisa começou a dar errado” na carreira de Jean Chera. Na Itália, ele nem sequer conseguiu entrar em campo devido a um problema no passaporte italiano. Assim, voltou para o Brasil para defender o Flamengo, que tinha Ronaldinho Gaúcho. Meses depois, chegou a um acordo com a diretoria rubro-negra para encerrar o seu contrato por salários atrasados.
Na sequência, passou por Cruzeiro, Oeste e Cuiabá, mas nunca se destacou. Em 2015, então, recebeu uma nova chance no Santos. O garoto foi testado no time B, porém não emplacou e foi emprestado à Portuguesa Santista. Já em 2017, voltou para a sua cidade natal para defender as cores do Sinop até desistir da carreira, em julho, com 22 anos.
“Muita coisa começou a dar errado, ia para os clubes e não recebia, começava para lugar que não deveria ter ido, acreditei em empresário que mentia, foi a época que meu pai se afastou também e eu comecei a tomar algumas decisões sozinho e, por não ter essa experiência, fui para lugares errados, tive problemas com empresário que pegava dinheiro sem eu saber…Comecei a desanimar. Sou ser humano como qualquer outra pessoa, acabei me frustrando e desanimando”, declarou.
“Lembro que estava na Portuguesa Santista, tive outro problema com empresário e pensei que não precisava mais disso. Estava batendo cabeça e me frustrando, sendo que poderia voltar para a minha cidade e seguir minha vida. Não deu certo, paciência, fui até onde deu. Voltei e fiquei em casa tranquilo por um tempo e fui amadurecendo e não quis voltar mais. Meu filho tinha acabado de nascer. Foi assim que surgiu a ideia de parar”, acrescentou.
Seis anos depois, Jean Chera entende que três motivos foram cruciais para o precoce fim da sua carreira: falta de empresário, exposição demasiada e complacência.
“Meu pai não fechou com nenhum empresário na época para tomar as porradas que levou. Com a cabeça que tenho hoje, acho que ele deveria ter dado uma afastada e ficado mais tranquilo comigo por trás, com o empresário correndo e trazendo as coisas para nós. Ele tomava todas as decisões e era decisão de pai, sempre com o coração, então algumas coisas acabaram sendo erradas. Teve alguns problemas com diretores e treinadores do Santos e isso atrapalhou um pouco”, revelou à Gazeta Esportiva.
“Teve uma exposição muito grande e eu era muito novo. Gerou uma expectativa muito grande. Com oito anos eu já dava entrevista. O pessoal falava que eu era o novo Neymar, novo Messi, o Pelé branco. Eu nunca falei que queria ser esses caras, eu só queria jogar. Teve uma exposição muito grande e o Santos não soube controlar isso na época. E eu também não vou tirar minha culpa. Em determinados momentos eu fui desanimando, não me dediquei o suficiente, não treinei o suficiente… esses três detalhes poderiam ser diferentes”, completou.
Mais maduro, Jean Chera espera, no EC São Bernardo, recomeçar a sua carreira no futebol após se aventurar na vida de professor de futevôlei. O esporte, aliás, foi o que tirou o meia-atacante de um início de depressão.
“O futevôlei que me salvou. Estava entrando no condomínio em Mato Grosso, tinha uma quadra lá e parei para perguntar. Os caras me chamaram para jogar e comecei a gostar, era uma atividade física. Foi o que me salvou. Abri uma arena de futevôlei em Sinop. Eu levava jeito e o pessoal pediu para eu dar aula. Deu um ânimo para seguir em frente”, disse.
Mas por que voltar ao futebol? A explicação está dentro de casa. Aos seis anos, Leonardo Chera começou a questionar o pai sobre os motivos que o levaram à aposentadoria. As perguntas acabaram servindo como um combustível para Jean voltar aos gramados.
“Ele aprendeu a ler e começou a ver as coisas que saíam sobre mim de quando eu jogava. Ele me perguntou por que eu não jogo mais, se eu não gosto mais de futebol. E ele começou a jogar agora também. Então, deu uma motivada muito grande para ele me ver jogando e não só as coisas que já passaram e deram ‘errado’. E para mostrar para ele que você pode fazer o que você quiser independente da sua idade e do tempo. Você pode, só depende de você, tem que querer e fazer”, declarou.
“Ele vai fazer o que ele quiser fazer. Ele gosta de futebol, gosta de jogar, mas se ele quiser fazer outra coisa, vai fazer. O importante é estar feliz. Esses dias ele pediu uma luva porque quer ser goleiro. Eu, como pai, pensei: ‘pô, goleiro? Vai jogar no ataque’, mas não falei nada, se quiser ser goleiro, ele vai ser. O importante é estar feliz. Se você está feliz, as coisas conspiram para dar certo”, ampliou.
Jean Chera voltou aos treinos no dia 22 de maio desde ano, quando foi apresentado pelo EC São Bernardo. O time se prepara para a Copa Paulista. O primeiro desafio será no dia 1º de julho, contra o São Caetano, em casa.
“A expectativa é boa. Fazia tempo que não me sentia feliz, treinando, estando junto com o pessoal nesse ambiente novamente… Por mais que eu esteja motivado a voltar a jogar, às vezes se eu chegasse em outro clube que tivesse uma estrutura e treinos ruins, não ia dar certo. Aqui a estrutura é boa, todos me receberam muito bem. Os treinos são bons e isso é ótimo. Então, a expectativa é boa, estou feliz e sofrendo nesse começo, mas faz parte”, comentou.
Prestes a voltar a campo, portanto, o meia-atacante de 28 anos olha para trás e não se arrepende do seu passado.
“Arrependimento é uma palavra muito forte. Me arrepender, não arrependo de nada. Acredito que tudo acontece por um motivo, teve que acontecer daquele jeito. Obviamente você consegue ter a noção, após amadurecer, que uma coisa ou outra poderia ser feita de maneira diferente, mas não falo em arrependimento. Tinha que acontecer, era para ser. Se eu estou aqui hoje é por algum motivo. Vamos descobrir esse motivo lá para frente”, finalizou.