Maria me lembrou que nossa vida não se restringe apenas aos verbos transitivos. Fez-me, de certa maneira, inverter a ordem.
E me apareceu isto: a vida não se justifica pela utilidade, ou só pela utilidade (ainda tenho muito que amadurecer), mas pelo prazer e pela alegria. Como disse Oswald de Andrade, a alegria é a prova dos nove.
Talvez esteja eu em erro (afinal aprendi isso com uma bebê), mas quanto mais buscamos o regulável, o mensurável, o objetivável, o produtível, mais a existência se torna inautêntica e ilegítima.
A gente se vê enganado pela rotina, pela velocidade do dia, das coisas, das metas, do alvo…Maria me lembrou que quando a gente cresce a gente pode voltar a brincar, ter com os brinquedos e brincadeiras. Maria me autorizou a brincar de verdade. Disse que brincar é coisa séria.
Esquecemos das coisas se não as fizermos, Leitor Brincante. O brincar está entre as fazeduras habitualmente vistas por nós como tempo perdido, como uma atividade oposta ao trabalho, sendo por isso menos importante, já que não se vincula ao mundo produtivo, não gera resultados (“visíveis”). Quem está brincando já chegou.
Na verdade, vejo que precisamos do brincar para sermos adultos e podemos levar os brinquedos para a faculdade e para o trabalho, andar com eles por aí.
A racionalidade torna o lúdico inviável, quiçá por isso ele é banido da vida do adulto. O brincar, nesse mundo de “buscar o sucesso”, é sua negação. A sociedade até permite o lazer, o não-trabalho, mas o brincar, não, este é raro.
Nesse tempo em que ninguém tem tempo para ter tempo, Maria abriu um espaço, um universo, e me deu tempo para brincar. E como dizem os grandes teóricos do lúdico: “brincar é viver criativamente no mundo. Ter prazer em brincar é ter prazer em viver”.
Ocorre que nossa rotina de produção, de utilidade, o próprio sistema em que vivemos, tem conseguido domar o espírito lúdico. PERROTTI disse que com o tempo, trocamos nossos sonhos, nosso tempo, pelos privilégios parcos oferecidos pela vida superficial. Premiados pelas exigências, sucumbimos à mera racionalidade e deixamos de lado o brincar, a magia. Fica lá escondida de nós.
Só que brincar não é coisa trivial, tem profunda significância. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso interno e externo, paz com o mundo. Froebel disse que o brincar tem a fonte de tudo o que é bom. Revela a vida interna do homem. O ser humano todo é desenvolvido e mostrado, em suas disposições mais carinhosas, em suas tendências mais interiores.
Esse mundo que criamos nos brutaliza de tantas formas, nos reduz. Diante da rudeza das horas, a delicadeza do brincar é um ato de insubordinação, de resistência. É estar a meio caminho entre a magia e a realidade… Obrigado, Maria cheia de graça!