“Lutei por 20 anos contra a dependência química, sete deles, morando na Cracolândia, em São Paulo, abandonando a esposa e os filhos em casa. Nasci em família de classe média, frequentei boas escolas, fui muito amado e não havia desestrutura em meu lar. Quando estava nas ruas, eu era um cadáver ambulante. Ficava até cinco meses sem tomar banho. Fedia muito e estava desprovido de dignidade. Tudo que tinha, carregava na memória. Muita gente sofreu muito comigo.” Esse relato é do consultor em dependência química, Arlem Maffra, que abriu o Encontro Umanizzare- Justiça e Alteridade, realizado na Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso, nesta sexta-feira (5), em Cuiabá.
Ele falou sobre a ‘Dependência química e a aplicação da lei como parte da solução’. Durante o evento ele abordou a necessidade de falar sobre o tema de forma clara e ampla como foi feito no Encontro. “A gente precisa realmente humanizar este tema porque drogas e dependência química não é algo que está distante das pessoas. Por mais que tenhamos desembargadores, juízes, procuradores de justiça, médicos, diretores de escolas, ou seja, grandes autoridades neste evento, todos têm família e ninguém está livre.”
O palestrante abordou formas que os magistrados possam desenvolver habilidades e sentimentos na hora da aplicação da lei, além da aplicação da lei. “É preciso que se tenha uma leitura mais ampla da situação. Olhando não só para o crime que aconteceu, o problema com as drogas, o tráfico ou o problema social. Na hora da aplicação da lei é possível salvar uma vida, uma família e até uma geração.”
O evento contou com a participação da presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Clarice Claudino da Silva, que apontou esse momento como de total importância para os magistrados. “É necessário chamar a atenção dos servidores e magistrados para o tema. Esses momentos são ideais para nos conectar conosco mesmo, com nossa essência e fazer com que reflitamos melhor e tenhamos mais sensibilidade e percepção da problemática humana porque isso é vital na hora de decidir o magistrado tem que ser preparado para a humanização das decisões. Não podemos ser aplicadores da letra fria da lei. Esse é um evento que visa exatamente à conexão do humano com o humano porque nós trabalhamos para seres humanos.”
A diretora-geral da Esmagis-MT, desembargadora Helena Maria Bezerra Ramos, aponta que o projeto Umanizzare tem como objetivo trazer para os juízes a alteridade. “Nós queremos que o juiz que não tenha a experiência concreta da drogadição ou de situação de rua, por exemplo, venha para a escola e ouça aqueles que tenham essa experiência para passar. Com os magistrados conseguirão se colocar no lugar do outro. A proposta é que, ao julgar, ele leve o que aprendeu na escola. Sem esse conhecimento, o julgamento fica frio. Ajudando o juiz a entender a situação do próximo, estamos ajudando a população a ter o melhor do Poder Judiciário.”
Essa é a primeira edição do Encontro Umanizzare. O próximo está programado para 28, também na sede Escola Superior da Magistratura. O projeto tem a finalidade de discutir Justiça e Alteridade, para a compreensão da face do outro em um mundo complexo, no intuito de evidenciar o aspecto humano e vulnerável dos grupos marginalizados e excluídos, como os drogadictos, população de rua, população carcerária, quilombolas, indígenas, dentre outros. Cumpre ao poder público lutar contra a invisibilidade social que relega muitas dessas pessoas ao absenteísmo estatal, à própria incompreensão de ser humano titular de direitos. A realização das palestras seguirá o norte referido.