Manso, o fogo sapecava as cascas das árvores tortas do cerrado mato-grossense e engolia o capim nativo. No processo natural ambiental, em poucos dias o verde espalhava-se pelo chão no renovado capim e subia ao topo das lixeiras e das outras espécies. A natureza se recompunha. Os animais, durante as chamas, corriam para lugares seguros – um ou outro ficava pelo caminho. A relação do homem com o meio ambiente era outra, bem diferente de agora. A mudança foi grande não apenas nessa área, mas também no comportamento social do indivíduo. O mundo não é mais o mesmo. Mudou para pior.
No começo dos anos 1970 havia harmonia entre o homem e o meio ambiente em Mato Grosso. As famílias tinham bases mais sólidas. Num processo irreversível o indivíduo foi tragado pela globalização, saiu de suas características regionais e mergulhou no modismo ditado pela televisão, pelos conceitos do politicamente correto.
A natureza reage contra a mudança. Antes, tínhamos duas estações climáticas bem definidas: verão e inverno. A primeira era o calorão. A outra, a temporada da chuvarada e ganhou esse nome porque era comum a chuva ser tão intensa, a ponto de criar uma esbranquiçada figura sobre a terra, que era muito parecida com a neve. Entre uma e outra, ocorria o fenômeno da friagem – o vento que saia dos Andes, cruzava o Pantanal e gelava os ossos por aqui. Agora é o caos.
O indivíduo optou pelo comodismo urbano. Boa parte encontrou emprego – não confundir com serviço – comissionado nos meios políticos. Poucos produzem alimentos. Muitos descartam no córrego mais próximo as geladeiras compradas a prazo na Casa Bahia. Os conceitos mudaram e se alguém tentar argumentar que as novelas globais solapam as famílias, a briga está arrumada. Viva o piercing! Morte a Trump! Guevarismo em alta! Um baseado, porque isso não faz mal a ninguém!
O circo pega fogo e o indivíduo é indiferente a isso. O Brasil, sem excluir Mato Grosso, é uma terra quase ao Deus dará. Não há vozes nas ruas em Cuiabá protestando contra os escândalos que abalam a estrutura institucional do Estado, ninguém reage às agressões ambientais. A ordem do dia é tributar o agronegócio, mas sem nenhuma preocupação com sua relação com o meio ambiente.
Corrompido, o indivíduo busca futilidades nos sites. A ele basta clicar no vídeo da mulher malaia que come escorpião vivo, no filmete sobre alguma jocosidade, enquanto aos seus pés escorre a lama da vergonha nos meios políticos.
Passou o bom tempo do cerrado cumprindo seu ciclo e se regenerando mais forte e bonito. A fase da família unida sem o WhatsApp a criar isolamento na casa cheia, também passou tanto quando a época em que o indivíduo era ser humano na acepção da palavra. Que Deus tenha pena de nós. Meus filhos e netos precisam de um mundo melhor.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista em Mato Grosso
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