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De ralos

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Numa aldeia perdida nos confins das montanhas de Minas um gatuno, aproveitando-se na ausência da lua na madrugada, entrou num chiqueiro, roubou um porco, jogou-o nas costas e nas trevas tentou escapar.
O suíno aprontou uma ronqueira tão alta e cortante que acordou todos os moradores. O dono alumiou no rumo do barulho, viu o sujeito com o bicho nas costas e seguro pelas patas dianteiras. Imediatamente a vítima chegou à porta de sua casa, onde pediu socorro. A vila em peso saiu às ruas. Com lanternas e lamparinas, todos os cantos do lugar saíram das trevas. Alguém viu o indivíduo e gritou a plenos pulmões:

– Peguem o ladrão de porco!
Cerca dali, acua daqui e os habitantes encurralaram o malandro. Vozes de gargantas cansadas pela dureza da vida sentenciaram:
– Ladrão de porco!
Sem se deixar intimidar e na maior desfaçatez, o larápio se defendeu:
– Porco, que porco?

Dedos de mãos calejadas de trabalhadores apontados para o produto do crime não foram o suficiente para convencê-lo que a acusação popular procedia. Cinicamente o ladravaz se defendeu. Num ato hipócrita, retirou a mão direita que prendia uma das patas do porco, apontou-a para suas costas e num gesto de encenação (enxotando) fez um movimento para jogar o bicho no chão enquanto gritava por socorro:
– Nossa Senhora, tirem esse bicho daqui!
Em Mato Grosso, na madrugada escura dessa quadra, continuamos trancados em nossas casas, indiferentes aos nossos ladrões de porco que continuam pedindo para que tirem o bicho de suas costas, com argumentos tão incapazes de convencimento quanto o do gatuno da vila nas montanhas de Minas.

Quase todos os que bebem água, respiram, sofrem grampo e enfrentam o calor e a violência em Mato Grosso sabem que sempre houve comentários sobre pagamento de mensalinho do governo a deputados na Assembleia. Porém, até recentemente, não havia nenhuma prova documental, vídeo, áudio, mea culpa, nada que acendesse a luz capaz de clarear a realidade da relação incestuosa entre os dois poderes. No entanto, vídeos gravados clandestinamente pelo ex-governador Silval Barbosa e anexados às denúncias por ele feitas em delação premiada homologada pelo Supremo Tribunal Federal mostram deputados recebendo maços de dinheiro do então chefe de Gabinete de Silval, Sílvio Corrêa. Todos negam que se tratasse de mensalinho. Sem exceção, juram inocência. Justiça à parte, precisamos exercer o dever de solidariedade ao mato-grossense, esse sim, o verdadeiro dono dos suínos que saíram pelos ralos do poder político.

Eduardo Gomes de Andrade é jornalista
[email protected]

 

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