Afrânio Carlos da Silva, meu saudoso colega que fechou os olhos para sempre num acidente na BR-163, dizia que meus títulos são desconvidativos. Afrânio sempre tinha razão, inclusive nessa afirmativa, pois meu mais novo livro, que em breve chegará aos leitores, se chama “46 anos depois”.
Reconheço que 46 anos depois não é título com forte apelo à leitura. Mas que nome poderia definir a construção da BR-163 ao norte de Cuiabá e no Pará até Santarém? Qual o melhor rótulo para mensurar o Nortão, a região com ares californianos que brotou em nossa abençoada terra com a abertura daquela rodovia? Que adjetivo empregar na qualificação do coronel José Meirelles, o oficial que comandou a execução dos trabalhos no maior trecho daquela longitudinal? Sem uma fresta de luz inspiradora, fiquei no feijão com arroz – tal qual o texto da obra – e ratifiquei o entendimento de Afrânio.
Na sequência, um fragmento dedicado ao município de Cláudia.
“… Túnis, 15 de abril de 1938. Nasce Claude Josephine Rose Cardinal, filha de um casal siciliano. Morenaça. Boca carnuda. Bunda e dentes perfeitos. Seios grandes e empinados. Cabelo preto. Cinturinha fina. Rosto de traços suaves e firmes. Olhar envolvente. Com tantos atributos assim, essa ítalo-tunisiana virou musa, sex symbol, estrela de Hollywood adotando o nome artístico de Claudia Cardinale. Pelas mãos, ousadia e os sonhos do colonizador Ênio Pipino, Claudia Cardinale está para sempre no Nortão. Pena que ela não saiba disso.
Certa feita, em Cuiabá, perguntei ao colonizador Ênio Pipino se o nome Santa Carmem tinha algo a ver com Carmem Miranda; ele negou qualquer ligação. Num sorriso à meia-boca comentou pausadamente: “Carmem (Carmem Ribeiro Pitombo) é nome de uma tia da dona Nilza (a mulher dele)”. Espichei pra Cláudia. É pela atriz? No primeiro momento ele não respondeu diretamente. Ajeitou os óculos, espichou a mão em despedida e foi enfático: “Que mulherão, essa Cláudia Cardinale!…”.
Divisor das águas dos rios Xingu e Teles Pires, 15h do dia 11 de agosto de 1979. Na clareira aberta por Ênio Pipino para a implantação daquela que seria a cidade de Cláudia nasce sem médico e sem parteira o primeiro bebê da região: Cláudia Neuza da Silva, filha do casal Maria Aparecida e Leonardo Ortolani.
O nome Cláudia é agradecimento dos pais à cidade homônima que ajudaram a construir nos confins da Amazônia Mato-grossense. Os Ortolani, pais de Cláudia, trocaram Diamante do Norte, no Paraná, pelo sonho de colonização da Amazônia. Não se arrependem do que fizeram nos anos 1970 quando deixaram uma região com boa infraestrutura e passaram a viver numa área caracterizada pelo isolamento, com alta incidência de malária e infestada por mosquitos.
Cláudia orgulha-se de sua cidadania. É personalidade em seu município e sempre ouve de pioneiros que nos primórdios da colonização corretores e moradores diziam aos interessados em imóveis na então vila que ali nascera um bebê com o nome do lugar. “Essa citação mexia com o sentimento daquelas pessoas e acho que contribuiu para que alguns mudassem para cá”, avalia Cláudia.
Casada com Nivaldo Ferreira da Silva e mãe de Eduarda e Henrique, Cláudia vive na cidade onde nasceu e da qual herdou o nome…”.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista em Cuiabá e escritor