Quando empresas recebem incentivos/renúncia fiscal por parte da União, dos Estados e municipios, a lógica da concessão é que tais empresas apliquem corretamente e de forma eficiente o dinheiro que deveriam recolher aos cofres públicos na forma de impostos. Na sequência, imaginam os idealizadores do sitema de renúncia/incentivos fiscais é que a empresa privada seja mais eficiente na aplicação de tais recursos do que os entes publicos.
Em troca, além da criacão de empregos devem gerar outros sub-produtos como inovação tecnológica, respeito ao meio ambiente, compromisso social, cumprir corretamente todas as leis trabalhistas, recolher devidamente os encargos sociais e assim por diante.
Geralmente o incentivo/renúncia fiscal é por um período relativamente longo, em torno de dez anos ou mais, para que as empresas possam amadurecer seus processos produtivos e assim um dia deixarem de mamar nas tetas do tesouro/cofres públicos, evitando ou reduzindo a concorrência desleal com milhares ou milhões de outras empresas que não contam com tais privilégios.
Ao longo dos tempos, principalmente após meados da década de sessenta, vários programas de incentivos fiscais foram criados pelo Governo Federal, para vários setores da economia e regiões do país. Cabe ressaltar, por exemplo, o programa para estimular a ocupação e desevolvimento da Amazônia, principalmente pela “aplicação” de parcela do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas em projetos agropecuários ou industriais. Os agentes financeiros e de desenvolvimento regional eram o BASA – Banco da Amazonia e a SUDAM – Superitendência do Desenvolvimento da Amazônia, nos mesmos moldes da SUDENE. Essas políticas e programas abriram, na verdade, as portas para a corrupção , ajudaram a enriquecer muitos empresários, políticos e gestores públicos, sem que jamais tivesse sido feito um pente fino para coibir as práticas corruptas , levar os criminosos de colarinho branco para a cadeia ou recuperar o dinheiro público usado de forma fradulenta. A impunidade perdurou por décadas e, em parte, ainda perdura até hoje.
Este também foi o caso do PRODEIC em MT, ao longo de anos sempre surgiram boatos e até mesmo indícios de que a renúncia fiscal/incentivos fiscais estariam alimentando uma rede de corrupção envolvendo empresários e agentes públicos/politicos com ou sem mandato e gestores de altos escalões do Governo.
Voltando um pouco na estoria. Ao conceder incentivo a uma determinada empresa ou a todas as empresas, o que também está e sempre esteve implícito é que cabe ou caberia ao Governo, seja federal, estadual ou municipal, ou, enfin, a quem concede este privilégio empresarial, acompanhar e avaliar periodicamente, deveria ser anualmente, se as empresas beneficiadas estão ou estariam cumprindo com suas obrigações pactuadas com o Estado quando foram aprovadas para participarem do programa, ou seja, qual ou quais os retornos que estariam oferecendo ao país, ao estado ou ao municipio que lhe deu/deram tais incentivos.
Sabemos que esta avaliação não é feita ou é feita de forma superficial, ou como o povo diz, “nas coxas" e, mesmo que as empresas não gerem os resultados que figuravam na origem dos incentivos fiscais aprovados, continuam ou continuavam recebendo, de mão beijada, esses privilégios.
Ai também surge uma ponta do iceberg da corrupção, onde técnicos , gestores de escalões inferiores deixam de fazer as avaliacões ou as fazem de forma superficial e incorretamente, tudo isso a mando ou conivência dos escalões superiores, como acabou sendo constatados recentemente no Estado e que motivou a prisão do ex-governador, dois secretários de Estado e outros servidores.
No caso do PRODEIC, em MT, somente com a posse do novo governo e a troca da maior parte do staff e gestores, tem sido possível desmontar os esquemas criminosos que envolviam tais concessões e levantar o véu que encobria esse programa de renúncia fiscal.
Em minha opinião, não basta desqualificar e retirar empresas que fraudaram o programa. É necessário que seja feita uma avaliação mais a fundo caso a caso e , em constatando, fraudes e o não cumprimento do que foi estabelecido quando da concessão dos incentivos, obrigar a empresa a devolver aos cofres públicos o montante, corrigido monetariamente, reparando concessões fraudulentas.
Já passa do tempo dos entes públicos, União, Estados e municípios, acabarem com essa prática criminosa de incentivos fiscais que pouco ou nenhum retorno oferece ao desenvolvimento do país, dos estados e municipios.
Não tem sentido o poder público ou seja, os contribuintes ajudarem a acumulação de capital nas mãos do setor empresarial, enquanto faltam recursos para a educação, para a saúde, para a segurança pública, para o meio ambiente e saneamento, para a infra-estrutura e tantos outros setores.
No Brasil são mais de R$ 200 bilhões de renúncia fiscal concedidos pela Uniao, pelos Estados mais R$85 bilhões e pelos municipios mais de R$ 50 bilhões a cada ano, totalizando, mais de R$ 335 bilhões por ano, algo em torno de 8% do PIB, para um número extremamente pequeno de empresas, quando comparado com o universe total dasempresas existentes no país, que acabam lucrando as custas dos cofrespúblicos e do povo.
Só em MT o PRODEIC em doze anos concedeu mais de R$15 bilhões ou mais de R$1,5 bilhões de reais por ano que o Estado de forma deliberada deixou e continua deixando de arrecadar, ajudando falsos empresários, politicos e gestores corruptos. Está na hora de ser feita uma revisão profunda e criteriosa deste programa e, por que não, submete-lo ao crivo de um debate público , quando a população possa ser ouvida e a opinião do povo ser levada em consideração. Criar programas que acabam sendo lesivos aos interesses do Estado e da população, em gabinentes que são frequentado por políticos influentes e empresários poderosos, onde o povo que paga imposto e sofre jamais tem acesso é um atentado contra a democracia e a transparência pública.
Talvez esta seja a maior responsabilidade da CPI que foi criada e está em funcionamento na Assembléia Legislativa de MT. Além de fazer um raio “x” do PRODEIC, deveria também ouvir a população quanto ao fim deste programa que foi e tem sido desvirtuado, gerando sérios prejuizos ao nosso Estado e a população, que clama por serviços públicos de melhor qualidade, os quais necessitam de recursos orçamentários e financeiros que estão sendo mal aplicados.
Quantos leitos hospitalares, medicamentos, investimento em segurança pública, escolas, postos de saúde, obras de infra-estrutura o Governo de MT poderia ter feito ou continuar fazendo com mais de R$ 1,5 bilhões do por ano ou R$ 15 bilhões em doze anos? Foi e continua sendo muito dinheiro público saindo pelo ralo, enquanto o povo sofre e clama desesperadamente.
Com a palavra nossos representantes políticos, nossos governantes, integrantes do TCE, do Ministério Público ou do próprio Judiciário, a quem sempre deveria caber o papel de zelar pelo planejamento, pela transparência, eficiência e eficácia dos gastos públicos.
O povo clama por ética, transparência e justiça fiscal. Isto sim, pode ser considerado tempo de mudança ou no slogam do Governo do Estado “MT, estado de transformação”, transformar também é acabar com com corrupção, com privilégios, com mamatas, com programas ineficientes! Desenvolvimento só existe quando todos participam e usufruem de seus resultados!
Juacy da Silva, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de vários veículos de comunicação
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