Nos últimos dias tenho recebido manifestações sobre minha posição nas votações da PEC 171, de 1993, que trata da maioridade penal, e do PL 4.330, de 2004, que versa sobre a regulamentação dos serviços terceirizados no Brasil.
Dentro do espírito democrático e da transparência que deve nortear o mandato parlamentar, creio ser necessário tecer considerações sobre a essa posição nos dois casos. Hoje, abordarei a maioridade penal. Noutro dia, depois de votadas as emendas ao projeto, falarei sobre a terceirização.
Há que lembrar que leis são frutos das circunstâncias sociais do seu tempo presente, não do passado. O Código de 1940 estabeleceu a imputabilidade penal a partir de 18 anos. Abaixo dessa idade, cabe somente a “pedagogia corretiva da legislação especial”. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069), de 1990, dispôs que o fato do adolescente “furtar, traficar, ou matar não implica em crime, mas numa infração”. Partiu-se da premissa de que essas pessoas “não sabem o que fazem ou não tem maturidade suficiente” para serem consideradas penalmente imputáveis. A reforma do Código em 1984 manteve a maioridade penal em 18 anos, alinhando-se ao exclusivo critério da idade biológica. A Constituição de 1988 trilhou o mesmo caminho.
Faço esta pequena retrospectiva histórica para assinalar que a redução da maioridade penal não pode ser discutida sob o prisma se ela vai ou não reduzir a criminalidade. Não existem dados para essa discussão. Tudo é “chute” e “achismo”. Definitivamente, esse não é o ponto central. O que deve ser discutido é se alguém com 16 anos tem ou não condições de entender os seus atos e, portanto, assumir as responsabilidades deles decorrentes.
A Dra. Kátia Mecler, psiquiatra forense da Associação Brasileira de Psiquiatria, em entrevista à Revista Veja, assinalou, com muita propriedade, que “essa limitação da idade de 18 anos foi estabelecida pelo Código Penal de 1940, quando nós vivíamos em um (sic) outromundo, com outros estímulos. Não se pode dizer que um jovem de 18 anos daquela época é o mesmo de hoje. O acesso à informação e à tecnologia favorece o desenvolvimento desse cérebro mais precocemente”.
Na mesma reportagem, o Juiz Cristian Bataglia de Medeiros, diretor da Vara da Infância e Juventude da cidade de Novo Gama (GO), assevera: “pelas audiências que a gente faz, esses menores infratores têm pleno conhecimento e capacidade de entender onde está o certo e o errado, o que é justo e o que não é; capacidade de discernimento eles têm”.
Importante esclarecer que o Brasil, ao reduzir a maioridade penal, não vai se tornar uma “ilha” isolada no mundo, pois importantes nações democráticas há muito adotam maioridade penal abaixo de 18 anos, por exemplo, os EUA, a Irlanda, a Suécia e a Argentina.
Por outro lado, argumentar que as cadeias do país não estão preparadas para receber adolescentes infratores, não pode ser óbice para a redução da maioridade. As cadeias brasileiras, em verdade, com raras exceções, não estão preparadas para abrigar nenhum tipo de preso. Elas não cumprem sua função de recuperar o infrator para a sociedade. O mesmo se diga dos Centros de Integração de Atendimento às Crianças e aos Adolescentes. Os “pomeris” da vida. Ambos precisam ser revistos. O sistema está falido lá, e cá. Agora, essa revisão não tem nenhuma ligação direta com maioridade penal. Qualquer preso, adolescente ou adulto, necessita ser tratado com dignidade, ponto.
Interessante assinalar que aqueles que são contra a maioridade penal aos 16, defendem o modelo atual de 18 anos, exatamente por entender que nessa idade as pessoas têm discernimento dos seus atos. Ora, o mesmo argumento que utilizam para defender 18 anos, eu utilizo para defender a maioridade penal aos 16. Nossos pontos de vistas são iguais, apenas divergimos no quantum da idade.
Todavia, é bom que se diga que não estou sozinho nessa posição. Pesquisas apontam que 84% da população brasileira pensa da mesma maneira. Dai, posso dizer com tranquilidade que a razão para votar favoravelmente à redução da maioridade foi minha convicção de que alguém aos 16 anos, que pode inclusive votar para presidente da república, também pode ser penalmente imputável. Os avanços do Século XXI me permitem fazer esse raciocínio, porém, respeito aqueles que pensam de modo contrário.
Eis a beleza do debate e da democracia.
Valtenir Pereira – deputado federal