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A palavra cumprida de ouro é banhada

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“Meu Rio Vermelho
Vi um rio de sangue
Vermelho de sangue
Dor não do meu sangue
Que também era meu”

O Rio Vermelho, o velho rio que já emprestou seu nome a Rondonópolis quando ela ainda era apenas um povoado, desde 2006, vem testemunhando em suas cheias e secas uma situação de desumanidade no tratamento de jovens privados de liberdade, pessoas estas que estão sendo depositadas num antigo cadeião que, desde antes, já era considerado imprestável para a manutenção de criminosos do sistema penitenciário.

Ainda em 2007, as águas das chuvas que migravam do asfalto para as artérias do velho rio já testemunhavam que a Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude buscava a condenação do Estado de Mato Grosso na obrigação consistente na regularização do atendimento dos adolescentes internados em Rondonópolis, para o fim de que fosse implementado, instalado e mantido um Centro de Internação Provisória com observância dos preceitos inerentes à dignidade da pessoa humana. Nessa altura, é bom dizer que a dignidade das pessoas banhadas pela água do velho rio devia ser fundamento da República Federativa do Brasil.

Demonstravam-se, à exaustão, as péssimas condições de habitabilidade, higiene e salubridade do Sistema Socioeducativo, inclusive, com fiscalização judicial realizada naquela época. Desde aquele tempo, ainda em 2006, o Judiciário já havia determinado prazo de 60 (sessenta) dias para a afastamento das gravíssimas falhas do Sistema.

Mais tarde, o Tribunal de Justiça ratificou as decisões da instância singela, mantendo a obrigação do Estado de Mato Grosso de dar condições dignas de tratamento aos jovens internados. Isto é, que lhes fosse dado tratamento coerente com o fundamento constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, assegurando-lhes o direito a vida, saúde e integridade física e moral.

Transcorridos os prazos estabelecidos pelo Poder Judiciário, sem qualquer providência e uma vez executada forçadamente a decisão judicial, diante da repercussão negativa nos meios de imprensa (lamentavelmente, neste caso, foi o único combustível que serviu), o Estado apressou-se em procurar o Ministério Público para celebrar, em maio de 2013, um Termo de Acordo Extrajudicial, cuja homologação judicial foi patrocinada pelo próprio Estado. O prazo era de apenas 60 dias, porém, como já era de se esperar diante da reiterada ineficiência estatal e impunidade configuradas, a reforma orçada em menos de 150 mil reais mal se iniciou e foi paralisada, permanecendo os adolescentes nas condições já condenadas pelo Poder Judiciário de Mato Grosso e pelo Conselho Nacional de Justiça.

Com efeito, diante da situação caótica testemunhada pelo Rio Vermelho, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ainda em 2011, constatou que uma prisão fétida e interditada servia de local de internação para adolescentes infratores em Rondonópolis, quando deveriam estar em unidades de internação com toda infraestrutura e equipes de profissionais para sua recuperação e inserção social.

Velho rio, o prazo era de apenas 60 dias para as primeiras ações no antigo e interditado Centro Socioeducativo, cujo orçamento era de R$ 148.787,45 (cento e quarenta e oito mil e setecentos e oitenta e sete mil reais e quarenta e cinco centavos), consoante despesa estimada pelo próprio Estado.

Por outro lado, o Estado também se comprometeu a construir um Núcleo de Atendimento Integrado, a fim de desativar o atual Centro Socioeducativo, cujo valor da despesa foi orçado pelo próprio Estado de Mato Grosso em R$ 6.499.452,71 (seis milhões e quatrocentos e noventa e nove mil e quatrocentos e cinquenta e dois reais e setenta e um centavos).

Nada foi cumprido e, a fim de honrar minimamente a grandeza do combalido Rio Vermelho, necessário se fez buscar alguma providência que assegurasse o resultado equivalente ao do adimplemento da ordem judicial descumprida, bloqueando-se nas contas bancárias do Estado os valores correspondentes.

Velho rio, se chover esta noite, vou mandar as últimas notícias pelas águas da enxurrada, quais sejam, o Estado de Mato Grosso tenta sustentar a necessidade de liberação dos valores bloqueados. Em contrapartida, como que um “cavalo de troia”, oferece uma pequena reforma com a utilização de quatro detentos da Mata Grande e o ínfimo gasto de 50 mil reais, no lugar dos 149 mil antes comprometidos e licitados.

Diga-se, aquilo que quase nada era transformou-se em coisa nenhuma! Um despropósito… Um menoscabo com o Rio Vermelho que tão generosamente se afeiçoa aos que por essas bandas habitam e aos que dele precisam a cada quadriênio.

Reforma hidráulica, elétrica, estrutural etc., com 50 mil? Ora, velho rio, definitivamente, não precisa ser engenheiro para saber que com 50 mil não se compra sequer o material básico, elétrico ou hidráulico para substituir o que atualmente existe no cadeião condenado.

Rio Vermelho, que devia ser amado, quando nada, cuidado, uma dor e não outra é te ver agonizando… Um gozo e não outro é arrepender-se a tempo.

Ari Madeira Costa – promotor de Justiça da Comarca de Rondonópolis

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