Era bem cedinho e, ao longo daquelas montanhas que cortavam o horizonte, um feixe de luz surgiu entre as trevas, revelando, na escuridão, a beleza do sol nascente. O despertar preguiçoso se revelava em um novo dia. Era uma casa muito simples, não se tinha o café da manhã, e as roupas eram parcas. O sono se transformava em refúgio para a dor da fome. O caminho era longo até a sala de aula. A pé e descalço, sentia a natureza como ninguém, desde o massagear da argila quando da travessia dos córregos, até as ofensivas rudes dos pedregulhos laminados intimidadores, tornando claudicante o compasso do andar. Trilhava, por aqueles tortuosos caminhos um menino dedicado, que via no futuro uma forma de redenção do passado. Ao longe enxergou, à margem da estrada, sentado em um tronco de aroeira, à sombra de um pequizeiro, próximo a uma cruz rodeada de flores do campo, um velhinho que, fixando os olhos no infinito, parecia projetar em um telão de dúvidas, a memória de um passado de sonhos não materializados. Com grande curiosidade, passos cautelosos e olhando para o chão, como se brincasse de amarelinha, escolhia atentamente os espaços onde pisar, desviando-se assim do barulho dos gravetos. De repente, é surpreendido por uma voz rouca feito trovão em época de chuva, lhe indagando: -Menino, o que faz por aqui? – Sou um estudante pobre indo para a escola em busca de um futuro melhor. – Que futuro queres para tua vida?. . ., perguntou-lhe aquele senhor? – Quero ser uma pessoa rica, um professor! Volvendo os olhos para aquela cruz ao lado, batendo a sua mão calmamente sobre aquele tronco, disse ao menino.
Sente-se aqui, meu filho, pois quanto ao futuro almejado, preciso lhe dizer algo. – O professor, antes de mais nada, é um agricultor da alma que não se preocupa aonde caem as sementes; é um engenheiro e arquiteto da mente, pois constrói as verdadeiras pilastras basilares da moral e ética de um povo, dando o direcionamento adequado e os paradigmas necessários para a formação do indivíduo. É o médico dos olhos, pois permite através da junção de letras e concatenações de idéias, a possibilidade da visão de um mundo desconhecido da leitura e perfeita compreensão de tudo que está a nossa volta. É o piloto e o guia turístico, que a bordo de uma aeronave de sonhos, nos transporta por um mundo de curiosidade e magia. É um treinador, que exercita dia a dia a consciência do ser, lutando contra os desenganos da vida, gerando a confiança no próximo. Terminadas todas as explicações, o menino então pergunta ao velhinho. – Porque me fala tudo isso olhando para aquela cruz ao lado? É meu filho… Os professores um dia viveram num mundo em que realmente eram ricos, pois efetivamente eram reverenciados e respeitados. Antes as pessoas se calavam para ouví-los , pois os seus dizeres eram como água no deserto, e todos disputavam gota a gota as lições trazidas, e se esbaldavam com todo o conhecimento.
Hoje olho para aquela cruz, e vejo nela a dignidade do professor, esquecida e enterrada assim como o respeito, valores e princípios. Identificado hoje apenas como força de trabalho este ser, a cada dia, é crescentemente aviltado, e a sociedade cada vez mais está impermeável as suas dores, sentimentos, espírito de luta e a necessidade da vital valorização. Olhando atentamente, ainda percebo que não obstante o esquecimento, o educador não deixou de produzir em sua volta flores majestosas que, alimentadas com sua essência, enfeitam o futuro. Por isso meu filho, seja um professor, sonhe com a riqueza, mas não com aquela que alimente a sua fisiologia pois, senão, perecerá tal qual a saudosa dignidade, mas sim aquela que faça crescer nos povos a ideologia e a esperança de um mundo cada vez melhor!
Fábio Arthur da Rocha Capilé, é advogado, Presidente do Instituto dos Advogados Mato-grossenses, Professor Universitário e Conselheiro e Presidente da Comissão de Saúde e Saneamento da OAB/MT.